‘Turma da Pracinha’ {Matriz} se deu mal ao saltar muros do Elos Clube…
O Elos Clube de Montes Claros-MG (Rua São Paulo, 190, bairro Todos os Santos) sempre foi imponente protagonista de eventos requintados da city. Desde os anos 70, o lugar se destaca naturalmente entre os favoritos {de classe} para sediar cerimônias destacadas da sociedade local. Mas já foi também um dos alvos prediletos de diversão noturna da turma da Pracinha da Matriz (Praça Doutor Chaves). A falta de convites nunca se constituiu em problema para os ousados penetras de festas particulares...
Particularmente, o Elos Clube de Montes Claros-MG, apesar de sua pujança tradicional, não me traz boas recordações, pois passamos bons apuros no interior aconchegante daquele recinto, nos anos 70. Éramos, então, “penetras” bem ousados, daqueles que fazem de tudo para participar de festas alheias sem convites, exigindo atendimento do bom e do melhor (bebidas, comida, etc…).
Em alguns eventos, recordo, chegamos a ocupar as mesas reservadas, deixando os convidados em pé, cúmulo do atrevimento! Uma noite, no entanto, tudo saiu errado; data, aliás, em que o caldo entornou feio, gerando vergonha geral no grupo penetra e pequeno escândalo. Aquele aniversário de 15 anos mereceu ampla divulgação na mídia, com propaganda majestosa dos colunistas sociais…
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Antes de contar esse “causo”, convém ressaltar que a nossa antiga turminha da Matriz, constituído de marmanjos adolescentes, costumava “garimpar” as noites de sábado à procura de festas. Sem a menor cerimônia, os peraltas adentravam em qualquer lugar que registrasse movimentação excepcional…
Um dos focos festivos de Montes Claros, naquela época, se concentrava na Rua Tiradentes e proximidades, área de agito das barulhentas chacrinhas. Os ‘comes e bebes’ nesses lugares se resumiam a ponche e “leite de onça” (leite com cachaça e coco ralado), além de duvidoso tira-gosto, à base de salame e queijo; quitutes espetados em palitos comuns, untados num picante molho de pimenta.
O mais importante, em resumo, para nosso grupinho farrista, era festar, sacudir o corpo no embalo de músicas animadas dos anos 70. Após uns copos fartos de ponche, as risadas da turma saíam fáceis…
Quando eu assumia posto de dançarino, meus colegas se divertiam bastante: dizem que dançava feito um boneco eletrocutado, entabulando movimentos típicos de robô. Gingado, digamos, quase inimitável…
Geralmente, afixado próximo ao teto, no salão de danças, havia um globo espelhado em lento giro aleatório, refletindo luzes multicoloridas no ambiente inteiro. Nossas andanças à cata de festas resultavam, no final, em descobertas compensatórias…
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Recordo que, certa ocasião, encontramos dezenas de pessoas vestidas elegantemente à porta de uma mansão na Avenida Afonso Pena, centro de Montes Claros. Algumas garotas usavam vestido preto, realçando curvas sinuosas. “Aqui tem festa de grã-fino”, comentamos jubilantes, antes de adentrar nos aposentos da casa. Com efeito, aquele imóvel pertencia a ricaços, julgando-se pelo mobiliário e carros de luxo, todos cuidadosamente emparelhados na garagem iluminada do jardim.
Penetras confessos, ficamos felizes por achar uma festa de primeira linha logo no início da noite de sábado, já descartando, previamente, a continuidade do percurso garimpeiro à cata de chacrinhas nas redondezas.
Muitos dos presentes nos olharam de forma estranha ao ver aquele grupo de adolescentes desconhecidos praticamente invadir a casa, mas não disseram nada. Já nossa estranheza foi pela ausência total de música no interior dos aposentos, aliando-se ao cochicho das conversas, ao contrário do comum estardalhaço de vozerio de qualquer festa.
Observamos, ainda, a falta de aperitivos e tira-gosto. Uma senhora servia apenas café e chá, mantendo-se silenciosa e com passos leves ao circular solenemente com aquela bandeja, feito uma gueixa. “Se parou a música, é porque o cantor deve ter feito pequena pausa”, imaginamos. Logo concluiríamos ser ledo engano…
Estão curiosos para saber o que aconteceu, imagino…
Assim, andando que nem os Beatles, em fila, chegamos ao centro da imensa casa, local que reunia número maior de “convidados”. Ao abrir caminho entre eles, quase esbarramos no imenso ataúde exposto no salão: no interior da urna funerária, trajando terno de linha, um senhor idoso exibia narinas dilatadas, repletas de algodão, enquanto seu queixo duplo se mantinha amparado sutilmente por lenço.
Meus amigos refutaram ao ver aquele ser rígido acomodado na imensa urna. Já eu preferi observar um pouco mais a inusitada cena antes de sair dali. Percebi que o corpo portava uma baita aliança na mão esquerda e anel de esmeralda na direita. Naquele tempo, defuntos podiam descer à sepultura com tais ornamentos. A viúva, deduzi, devia ser uma senhorinha elegante em atitude comedidamente chorosa. Ela se mantinha quase colada ao caixão…
O mais curioso: rodeado de flores e velas, a expressão plácida daquele cadáver evidenciava estar curtindo delicioso sono eterno, pouco se importando com o chororó dos parentes e amigos. Melhor sair dali…
Sem graça, percebemos então estar sendo observados por todos ali; alguns até nos olharam ironicamente, creio que entendendo nosso fora, enquanto outros evidenciaram semblantes interrogativos. Efetuamos, sem-graça, uma meia volta estratégica, saindo dali ostentando sorrindo amarelo. Difícil imaginar que tanto luxo fosse um velório!
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No Elos Clube, sabíamos, nada de velórios, só festas e mais festas. E o melhor de tudo: gastronomia e bebidas de primeiríssima qualidade. Motivo pelo qual o Elos era tão requisitado pela alta sociedade.
Cientes disso, passamos a saltar os muros do Elos Clube quase todos os sábados, utilizando uma estratégia simples, infalível: simplesmente desligávamos, primeiro, o relógio de luz, cortando a energia elétrica do clube (o padrão ficava na calçada, do lado de fora). Dava até para escutar os gritos surpresos das pessoas colhidas pela súbita escuridão…
Enquanto os funcionários se movimentavam para restabelecer a energia, já havíamos saltado o muro, integrando-se aos demais convidados. Isso deu certo várias vezes, até que os proprietários do clube tiveram uma ideia maldosa para nos barrar: afixaram pregos em tábuas próximas ao muro, pontas pra cima. Nenhum de nós imaginou que isso pudesse acontecer…
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No sábado seguinte, o primeiro a pular o muro foi Júnior Lopes, filho do prefeito Moacir Lopes. Ele quis fazer isso mais por aventura, pois tinha convite da festa (a namorada era amiga íntima da aniversariante). Repetindo a estratégia costumeira, apagamos as luzes e Júnior, mais conhecido por “Pela-Jegue”, saltou gargalhando para dentro do Elos Clube. Sua farra durou pouco: o grito de dor do adolescente foi ouvido em toda a rua, seguindo-se um berreiro incontrolável. O motivo, lógico, foram as malditas tábuas com pregos: dois deles transpassaram o macio tênis de Júnior, quase vazando seu pé esquerdo. Tanto sangue…
Confusão armada, o portão ficou aberto por alguns minutos, após a luz ser restabelecida. Então, adentramos no clube para checar o sucedido. O amigo Júnior recebeu atendimento de médico amigo de sua família, e saiu dali pulando com um pé só. Afinal, era filho do prefeito da cidade, médico de fama caridosa, dono de Hospital São Vicente de Paula, unidade acolhedora de pessoas sem recursos.
Júnior foi configurado como vítima nesse episódio, não um simples penetra. Problema resolvido, decidimos aproveitar a festa. Certamente, todos já tinham esquecido do horrível incidente…
No que pareceu ser transcurso de normalidade festiva, eis que Eduardo Pastinhas pediu vinho no balcão, e um senhor idoso, conhecido por “seo” Oliveira, questionou o intruso sobre quem o convidou. Pastinhas gaguejou feio, descortinando a condição explícita de penetra. O dono da festa, travestido de coronel, ordenou aos seguranças locais: “Tirem ele daqui: não conheço e tampouco convidei”.
Eu estava no pátio gramado, tomando uma taça de vinho, quando vi o segurança carregando Eduardo Pastinhas pelas alças da calça rumo ao portão de saída do Elos Clube. O amigo patinava feio no ar, enquanto os presentes vaiavam, sem piedade…
Temendo o pior, optei por aproveitar aquela deixa e sair dali também, antes que tivesse o mesmo fim. Mas o implacável “seo” Oliveira gritou alto: “Aquele ali é outro! Pode botar na rua”! (apontou pra mim). Foi uma corrida de pega-ladrão no gramado do Elos Clube. Felizmente, consegui sair, não sem abalroar o porteiro: malvado, ele tentou me segurar.
Afonso também se safou de passar pelo mesmo vexame, apesar de um dos seguranças, proprietário de mãos gigantescas, quase conter sua fuga; mas o garoto esperneou, que nem gato, e escorregou veloz para fora do clube…
Já em segurança, postados a metros da entrada do clube, imaginei quantos não teriam visto aquela cena tão humilhante. Afinal, havíamos sido desmoralizados publicamente! Torci para aquele ocorrido não circular na imprensa local: os jornais não tinham lá muitas novidades para alardear aos leitores…
Depois dessa, nunca mais nos aventuramos a adentrar no Elos Clube, ainda que fôssemos oficialmente convidados para algum evento. Vai que o tal “seo” Oliveira resolve repetir esse debanda-penetra sem piedade…
Por João Carlos de Queiroz
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