Quando fundei e presidi o Aerovag – Aeroclube de Várzea Grande-MT…

Não foi uma empreitada desconhecida, pois já havia reativado o Aeroclube de Montes Claros-MG. Luta de anos, repleta de desafios complexos. Mas logrei êxito, pois contei com equipe valiosa de apoiadores...

Por João Carlos de Queiroz – Oficialmente,  o Aeroclube de Várzea Grande-MT foi fundado em 1991, registro de homologação da autorização de funcionamento prático e teórico da entidade civil subordinada ao Ministério da Aeronáutica. Também foram homologados na mesma data outros cursos paralelos (paraquedismo, voo a vela, ultraleve, girocóptero, aeromodelismo, etc.).

Anteriormente, por quase dois anos, empreendi uma série de mobilizações de caráter pessoal e coletivo, a fim de proceder encaminhamento da complexa documentação exigida pelo antigo DAC – Departamento de Aviação Civil (atual Agência Nacional de Aviação Civil). Em síntese, o O “bê-a-bá”  legal para homologar uma escola de instrução primária de aviadores.

Portanto, o “nascimento” do Aerovag começou mesmo em meados de 1989quando desembarquei em Cuiabá “de mala e cuia”, procedente de Montes Claros, Minas Gerais. Cidade em que reativei o aeroclube local, em 1984 – escola fundada por Flammarion Wanderley em 1947 e paralisada desde 1975.  A partir dai, houve uma espécie de “lacre” espontâneo ao tema aeroclube, com desinteresse total.

Síntese da reativação do Aeroclube de Montes Claros… Nesse tempo, já repórter do “Jornal do Norte”,  elaborei matérias sobre a história de vida e morte do aeroclube mineiro, publicando-as sequencialmente nos matutinos locais e no “Estado de Minas” (maior jornal de circulação no Estado). Algumas matérias lograram ser republicadas pela Imprensa Oficial do Estado (entrando para os Anais da História de Minas Gerais).

No geral, foram publicações bem destacadas, de página inteira, ilustrada por fotos de veteranos do ar nos anos 40: pilotos Omerzindo Assis Lima (“Maroto”), Hélio Rocha Lessa, Flammarion Wanderley, Antônio Lafetá Rebello, Mário Magno Cardoso, Omero Santos (sem H) e muitos outros…

A maioria dessas reportagens tinha nítido caráter aventureiro, descrevendo apuros aéreos vivenciados pelos intrépidos aviadores da época e seus “Paulistinhas” (Cap-4). Isso incluía voos noturnos (sem nenhum instrumento de orientação, à exceção de uma precária bússola) e aterrissagens noturnas tresloucadas em pistas improvisadas, combustível quase zerado nos tanques.

Tornei-me, assim, amigo pessoal dos ex-aviadores. Todos sublinhavam que o falecido Flamarion Wanderley havia sido o líder maior desse aeroclube, precursor idealista da aviação de instrução no Norte de Minas Gerais. Perdi a conta de quantas tardes passei em companhia deles, tomando café com as delícias mineiras servidas pelas respectivas patroas.  Ainda sinto o aroma dos pães de queijo…

No aeroporto de Montes Claros, fiz amizade com o piloto Roberto José Faria de Gusmão, funcionário da Servi-Táxi, empresa de propriedade mista dos comandantes Carlos Gomes e José Albinati Neto. Gusmão se tornaria um dos parceiros empenhados na batalha de reativação do aeroclube local. Inclusive, voei com ele e o então senador Tancredo Neves até Francisco Sá, num velho Seneca bimotor. O jornal me incumbira de cobrir a visita do candidato à presidência da República naquela cidade.

Esse voo se tornou elemento decisivo para sair em busca da carteira de piloto. Bastava “apenas” – dali em diante – reativar o Aeroclube de Montes Claros, concluí. Problema maior do que imaginara: a antiga escolinha não dispunha de nenhum recurso patrimonial: documentos, hangar, avião, sede. Tivemos que recomeçar do zero, incluindo a parte jurídica, já sem efeito legal. Elegemos então a nova diretoria na Assembleia-Geral Extraordinária. Fui honradamente nomeado presidente.

O antigo PP-RTI do Aeroclube de Montes Claros {“Cap-4”, “Paulistinha”} foi localizado num hangar ocioso do Aeroporto Carlos Prates, na capital. Jazia lá por bom tempo, informaram, após ter cumprido jornada gloriosa na função de formar aviadores. Descoberta auxiliada pelo Terceiro Serviço Regional de Aviação Civil-RJ. Restara pouco do RTI, somente a estrutura central. Motor, instrumentos, trem de pouso, bequilha e asas desapareceram…

Walduck Wanderley (e) doou o Cessna e disponibilizou toda a logística operacional do aeroclube mineiro

Na sequência, conseguimos novo avião e outro hangar, doação e mobilização empenhada do empresário Walduck Wanderley, filho de Flammarion. “Aquela reportagem que você fez sobre meu pai {Flamarion} está num quadro do meu gabinete”, afirmou Walduck ao anunciar no aeroporto que nos presentearia com uma aeronave. O Cessna 150 doado ao aeroclube foi adquirido da Escola VIP – Voo e Pilotagem, da família Chamone, capital mineira. Já aterrissou em Montes Claros com pintura nova e o nome da entidade aérea impresso na fuselagem metálica.

Quando reativei o Aeroclube de Montes Claros. Na foto, com o amigo Humberto Velloso Reis, grande parceiro
No Cessna 150 doado pelo empresário Walduck Wanderley ao Aeroclube de Montes Claros…
Hangar do Aeroclube de Montes Claros “Flammarion Wanderley” construído na minha gestão de presidente da escola
Assembleia-Geral Extraordinária para reativação do Aeroclube de Montes Claros e eleição da nova diretoria

Alguns dos apoiadores do processo de reativação do Aeroclube de Montes Claros: Humberto Velloso Reis, Anísio Ramos Borges, Artur Porfírio Lima Pimenta, Adão Tarcísio de Castro, Américo Martins Filho, Miguel Ângelo Guimarães Mendes, Mauro Dias Rocha, Divanir Wagner Antunes. 

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“As histórias desses aeroclubes são portanto interligadas. Isso porque, acaso não reativasse e voasse muito em Minas Gerais {Montes Claros}, seria pouco provável que empreendesse diligências esforçadas para fundar  em MT uma entidade similar…”

Meses após meu desembarque em Cuiabá, descobri um clube de ultraleves na Rodovia Emanuel Pinheiro, saída para Chapada dos Guimarães, administrado pelo médico/piloto José Sabino Monteiro Filho. Local do acidente fatal com o então governador Edson Freitas.  Não saía de lá nos finais de semana, voando com os novos amigos. Nunca tive medo daquelas maquininhas leves, motor Rotax-2 tempos, dois cilindros.

Ainda em Várzea Grande, no Aeroporto Marechal Rondon, assinalei a existência de uma escola de pilotagem particular, presidida pelo comandante Wagner. Já estava em regime de quase paralisação, voando pouco. Utilizava um monomotor Piper Cherokke.

Foram novos ingredientes incentivadores para fundar o Aeroclube de Várzea Grande, somando-se à grande vontade de voltar a pilotar maquininhas de instrução, aeronaves simples.

Jornalismo – Para me manter em Cuiabá, desempenhava função de repórter no antigo Jornal do Dia, sede no bairro Boa Esperança. Profissão ainda em curso. Utilizei-me da logística veicular desse jornal para correr atrás de documentos e adotar providências de praxe à fundação do aeroclube. Só que muitas mobilizações esbarravam na falta de verbas, pois era assalariado…

Os meus colegas jornalistas zombavam a todo instante desse corre-corre em busca da fundação de aeroclube, qualificado por eles como “utopia irrealizável”. Diziam que o Brasil estava em crise, e  o Governo José Sarney  não iria bancar avião para ninguém.  “Está é malhando em ferro frio”, opinavam. Não desisti.

O motorista do jornal, Frank,  atual cinegrafista, foi um dos que me auxiliaram a resolver tais pendências exigidas pelo Ministério da Aeronáutica.  Ainda recordo dos seus sorrisos compreensivos quando mudávamos a rota das pautas, a ponto de perder importantes coberturas. No retorno ao jornal, as cobranças: “Pegou todos os dados da posse do  novo secretário de Governo? Faça uma matéria bem legal”. Detalhe: não tínhamos internet naquela ocasião..

A publicação do edital da assembleia-geral para fundação do Aeroclube de Várzea Grande e eleição da diretoria aconteceu graças à boa-vontade do então deputado estadual Roberto França. Já o prefeito de Cuiabá, Dante de Oliveira, ao ser procurado para nos auxiliar, disse que aeroclube era “atividade elitista, dispendiosa”, repetindo praticamente a mesma frase de descaso do prefeito de Montes Claros, Mário Ribeiro da Silveira. Na prática, não ajudaram em nada. Mas também não atrapalharam.

A providencial ajuda veio do senador Júlio José de Campos e do governador Jayme Campos, seu irmão. O primeiro conseguiu a cessão de uma aeronave para o aeroclube (Aero-Boero 115, que era fabricado em Montoros – Argentina). A  entrega do avião se concretizou logo após a autorização de funcionamento da entidade ser homologada pelo Ministério da Aeronáutica e expedida para cá, juntamente com as carteirinhas dos diretores nomeados na assembleia. Um orgulho portar a credencial de presidente, repetir a façanha mineira de 1984…

O governador Jayme Campos, por sua vez, providenciou passagens aéreas e recursos para trazermos o avião de Maricá-RJ, traslado efetuado pelo comandante Marcos, ex-oficial da FAB (voava F-5). Uma das exigências do DAC era de que o piloto responsável pelo traslado fosse instrutor. Uma vez que o comandante Marcos era aviador militar, o órgão aeronáutico facilitou isso: ele fez alguns voos no Aero-Boero do Aeroclube de Jaciara, tornando-se instrutor prático credenciado.

Jayme Campos também doou material de escritório e disponibilizou o comodato de um veículo usado para a escola, devolvido ao Estado e literalmente cortado ao meio logo após Dante de Oliveira assumir o governo. O Fiat (Elba branca) permanecia antes num depósito do Distrito Industrial, saindo dali para ser recuperado numa oficina. Prestou bons serviços ao aeroclube e teve um final bem triste: deparei-me com seus “restos mortais” num ferro-velho do bairro Dom Aquino. Cena de cortar o coração…

Esse velho Fiat serviu para me deslocar com fiscais do Sexto Serviço Regional de Aviação Civil- Brasília-DF até Santo Antônio de Leverger em várias ocasiões, terminal escolhido para sediar as operações aéreas do aeroclube. Havia antes um impeditivo elencado para operarmos em Várzea Grande, em função das atividades de voos comerciais de grande porte no Marechal Rondon e a proximidade com o Aeroclube de Jaciara em linha reta. Entraves superados posteriormente, com as operações sendo centralizadas normalmente na Cidade Industrial.

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Chegada do avião Quando o monomotor Aero-Boero 115 GMQ aterrissou no Aeroporto Marechal Rondon, numa tarde chuvosa, nem escritório tínhamos no terminal: apenas uma mesinha simples e cadeira no saguão. O importante é que contávamos com uma aeronave zero em folha, procedente de Maricá, Rio de Janeiro.

Recordo que estava cumprindo pauta jornalística, e fui avisado para me deslocar ao aeroporto urgentemente. O senador Júlio Campos já estava lá, e assim fizemos a histórica foto de uma parceria inesquecível, em prol da aviação de instrução em Mato Grosso.

Vendo a foto, os colegas zombadores de jornal ficaram com cara de bobos, à exceção do repórter Belival Duete e do diagramador Enderson Thaines, membros eleitos da diretoria eleita. Sempre acreditaram que o projeto iria vingar…

Depois que o avião chegou, lógico, outros políticos alardearam “ser o pai da criança”. Porém, os méritos de disponibilização {termo mais exato} da aeronave são exclusivos do então senador Júlio José de Campos, também ex-governador do Estado.

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Quando vinham a Mato Grosso fiscalizar o aeroclube, os fiscais da Aeronáutica não escondiam a ironia ao perceber que a escola estava sem um centavo em caixa, mantida somente pelo idealismo de poucos. Destaco aqui o apoio extraordinário que recebi do dedicado amigo (já falecido) Benedito Batista de Figueiredo Filho, a quem chamava de “meu presidente”, em face do homônimo presidencial. Dito foi meu vice no início dos trabalhos e presidente na sequência. Primava pela seriedade administrativa nos mínimos detalhes. Saudades dele…

Contei ainda com outros apoiadores de destaque: Jane Aparecida da Silva (secretária); o ex-policial federal Cleodemir Dias Gonçalves; piloto Uires José de Souza; Odir Zulian; João Cavalcanti; médico oncologista José Sabino Monteiro Filho (que homologuei para fazer o Certificado de Capacidade Física nos alunos – PP e PC); jornalista Enderson Thaines e um seleto grupo de parceiros ocasionais, inclusive na área política.

O Aeroclube de Várzea Grande chegou a ser reconhecido pela Câmara Municipal de Cuiabá como de Utilidade Pública anos após, e de lá pra cá tem contabilizado respeitável séquito de pilotos formados e em plena atuação nas grandes companhias do país.

No início, aliás, poucos acreditavam que o Aerovag iria efetivamente decolar, mesmo após receber aeronave e ser autorizado a funcionar. Isso porque, a cada dia, surgiam mais exigências e custos financeiros altíssimos inclusos nos projetos pretendidos. Onde ministrar as aulas teóricas? – sufoco inicial. Como pagar o aluguel da sala? As aulas passaram a ser realizadas em escolas municipais, cedidas gratuitamente.

Depois de insistirmos muito, a Infraero finalmente cedeu uma sala no andar superior do aeroporto, além de disponibilizar espaço no hangar oficial para abrigarmos o Aero-Boero 115 PP-GMQ, aeronave embrionária da escolinha. A segunda foi um motoplanador Ximango, infelizmente hoje desativado por causa de peças. Hoje, o Aerovag conta com outros aparelhos, incluindo um Cessna 150.

Acidente com o Aero-Boero – Resolvi me desligar da presidência do Aeroclube de Várzea Grande após me acidentar com o Aero-Boero 115, danificando parcialmente a asa e o trem de pouso da aeronave (reparados dias após). O aparelho rodopiou várias vezes na pista do Marechal Rondon, ficando de frente para a Avenida da Feb, onde acabara de passar voando…

Na verdade, forcei o pouso em condições meteorológicas extremamente críticas, devido à entrada repentina de frente fria (com vento forte/neblina) que avançou decidida no breve percurso efetuado entre Santo Antônio e Várzea Grande. E quando me preparava para descer, solicitando autorização de pouso, a torre avisou para aguardarmos no setor Sul, pois estava em processo de aterrissagem um “fabiano” (avião da Força Aérea Brasileira). Os militares têm primazia em situações similares. Deu no que deu, rodopios e um bom susto aéreo…

Notificado do acidente, o Sexto Serviço Regional de Aviação Civil estabeleceu as punições de praxe: suspendeu o Certificado de Aeronavegabilidade da escola e autorização de funcionamento prático, inviabilizando a operação dos voos. Eu teria ainda que cumprir dispositivos normativos do MA para reabilitar o funcionamento da entidade, o que poderia levar meses. Preferi então desistir, cedendo o cargo ao meu vice-presidente, Benedito Batista de Figueiredo Filho, pessoa de extrema confiança.

O aeroclube foi presidido posteriormente por outros entusiastas da área, nos quais destaco a atuação do médico José Sabino Monteiro Filho e o competente comandante Vargas, ainda membro da diretoria. A presidência é agora comandada por Jorcenita Alves da Silva, idealista da área aviatória.

A relação completa da atual diretoria e ex-presidentes será disponibilizada no site da escola, que passa por remodelação (www.aerovag.com.br).

Dados do autor: João Carlos de Queiroz é jornalista profissional, Mtb 381.18-MT, mineiro de Montes Claros-MG.  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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