Quando a morte compartilha “sono profundo”

Por João Carlos de Queiroz – Uma conterrânea minha, Vicentina, vivia feliz com seu esposo Antônio Lopes em Montes Claros-MG, no Alto São João. Detentor de apelido impublicável, Antônio era realmente um sujeito bacana, sempre muito prestativo. Daquele tipo de pessoa que você sabe que pode confiar 100%,
íntegra ao extremo.
A paixão de Antônio {à parte do lar} residia no arrebitado Fuscão 1.600 cilindradas, veículo com descarga barulhenta e utilizado para passeios curtos e viagens longas. Inclusive, fomos uma vez a Belo Horizonte, quando comprovei que o fuscão só faltava voar.
O único senão de Antônio estava bem à vista no seu tórax – uma dantesca cicatriz vertical, resultante de grave cirurgia cardíaca. Literalmente, abriram o meu amigo ao meio para proceder correção no órgão.
O risco de o seu coração parar de repente, sem aviso prévio, se constituía assim em comentário constante nas rodinhas de papo fiado da pracinha da Matriz.
Antônio, lógico, não ligava muito para essa possibilidade, e curtia a vida a seu modo, sempre muito orgulhoso do fuscão lustroso, de aspecto arrogante.
Num belo domingo ensolarado, eis que Vicentina acordou mais cedo, decidida a preparar um belo almoço para o esposo, após curtirem o sábado até tarde da noite.
Vicentina se levantou então devagar, bem cuidadosa nos movimentos, para não “acordar” Antônio.
Já perto do meio-dia, estranhando que ele não tivesse ainda se levantado, foi ao quarto para abrir as janelas e informar que o almoço estava pronto.
Janelas abertas, luz intensa do sol iluminando cada detalhe do imóvel, Vicentina percebeu que o esposo continuava exatamente na mesma posição das primeiras horas da manhã, quando se levantou.
Ao sacudir Antônio, já aflita, Vicentina percebeu que ele jamais acordaria, pois estava rijo, gelado. Antônio sofreu parada cardíaca irreversível enquanto dormia, já no início da madrugada, conforme atestou laudo médico…
Isso aconteceu em meados dos anos 70, época das minhas travessuras motociclísticas em Montes Claros.
Ainda hoje, ao ver um fusca cinza de aspecto conservado em qualquer lugar, automaticamente vem à memória a figura carismática do bom Antônio compenetrado ao volante…

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