Pauta Feminina: novos dados dimensionam a violência sexual contra a mulher com deficiência

A violência sexual contra a mulher com deficiência foi o tema da 49ª edição do projeto Pauta Feminina, realizado nesta quinta-feira (7). Organizado pela Procuradoria Especial da Mulher do Senado em parceria com várias outras entidadades voltadas aos direitos das mulheres, o evento teve a mediação da deputada federal Rosinha da Adefal (Avante-AL). Durante a série de debates foram divulgados os dados mais recentes produzidos pelo DataSenado e pelo Observatório da Mulher contra a Violência (OMV).

Rosinha da Adefal apontou a falta de acessibilidade como um dos grandes problemas na denúncia de crimes contra a pessoa com deficiência, em razão de uma prestação de serviços ineficiente por parte do Estado.

— Numa delegacia que não tem um intérprete de Libras, imagine a dificuldade de comunicação para a pessoa que é surda. Isso se agrava ainda mais diante dos preconceitos existentes quanto às pessoas com deficiência intelectual, cujo depoimento é desqualificado quase de pronto — disse a deputada.

Dados do Senado

Coordenadora do OMV, criado em maio de 2016, Roberta Viegas lembrou que o observatório foi criado para suprir uma lacuna na produção de dados e indicadores sobre a violência contra as mulheres. Os dados do OMV, produzidos a partir de várias bases de dados, apontam uma redução nos indicadores de violência contra as mulheres, cuja média (4,4 casos/100 mil), oculta diferenças importantes entre os dados das mulheres negras (5,2 casos/100 mil) e os das mulheres brancas (3 casos/100 mil).

Marcos Ruben, coordenador-geral da Secretaria de Transparência, apresentou dados baseados em pesquisa do DataSenado sobre violência. São comparados os perfis de mulheres respondentes que já sofreram algum tipo de violência doméstica cometida por um homem aos das que não sofreram.

Segundo ele, conhecer uma mulher que sofreu violência é fator que aumenta em 10 vezes o risco de sofrer violência, o que aponta para a importância de fatores ambientais comuns; divorciadas e separadas também chance quatro vezes maior de sofrer violência; ter filhos agrava em três vezes a chance de ser vítima de violência; ter apenas o ensino fundamental como nível de escolaridade agrava em 1,7 vezes as chance de ter sofrido violência.

Dados da Saúde

Fátima Marinho, diretora do Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos Não Transmissíveis e Promoção da Saúde (DANTPS) do Ministério da Saúde, exibiu dados de notificações de violências interpessoais e autoprovocadas no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), com foco em pessoas com deficiência, e com recorte de gênero.

De modo geral, entre 2011 e 2016, houve um aumento de 155,4% nas notificações de violências interpessoais e autoprovocadas (de 107.530 para 274.657), sendo que entre as pessoas com deficiência o aumento das notificações foi de 188,1% — de 7.553 para 21.759. As mulheres respondem por 57.367 (66,5%) das 86.265 notificações ao longo destes anos.

Estupros

As notificações de estupro em mulheres com deficiência subiram de 811 em 2011, para 1,542 em 2016. Do universo de 7.376 mulheres com deficiência, 33,4% apresentavam deficiência intelectual; 25,7%, transtorno mental; 15.8% tinham transtorno de comportamento; 6,9% delas, deficiência física; outras 4,9%, deficiência auditiva; e 3,6%, deficiência visual, entre outros (9,7%).

Para Fátima Marinho, o mais estarrecedor é o que chamou de “violência de repetição”, à vezes cometida por mais de um homem.

— Os dados mostram que 39,7% das notificações revelaram que essa violência ocorreu outras vezes na vida das mulheres, e 17,2% das notificações revelaram que houve dois ou mais autores do estupro.

A falta de recursos na saúde é também responsável pela baixa cobertura dos procedimentos realizados no socorro às mulheres com deficiência estupradas, que não alcançam nem metade dos casos na profilaxia de DST (39,6%), HIV (27,6%); coleta de sangue (45 %), coleta de sêmem (6,8%); coleta de secreção vaginal (15,5%); contracepção de emergência (26%); e aborto previsto em lei (1,5%).

Discriminação

Glaucia Cristina da Silva, delegada da Delegacia Especial de Repressão aos Crimes por Discriminação Racial, Religiosa ou por Orientação Sexual ou contra a Pessoa Idosa ou com Deficiência (Decrin), disse que “a própria delegacia é extremamente discriminada. Chamam-na de Delecumba, de Delegay”.

Ela relatou a dificuldade que teve em promover as adaptações necessárias para a acessibilidade. Uma das quais, o piso tátil, cujo custo considera inviável. Ela sugeriu que o Poder Legislativo olhe com atenção o incentivo aos policiais que sabem Libras.

— Hoje, a gratificação é só para quem é concursado.  Os poucos  policiais que se motivam a aprender a Libras não tem um incentivo maior para isso.

Carolina Angélica Gomes, coordenadora-geral do Sistema de Informações da Pessoa com Deficiência da Secretaria de Direitos Humanos, disse que os gestores precisam investir em dados com recortes de gênero, raça e deficiências.

— Os recortes não são tratados porque tratamos o todo como um todo, sem pensar nas características do cidadão. Cada pessoa tem um conjunto de características e a deficiência pode ser uma delas. Sem recortes específicos, não teremos dados e sem dados de ‘para quem’ e ‘para quantos’ não fazemos política pública — disse.

Cultura

Para Carolina Gomes, uma grande dificuldade reside também na cultura do abuso sexual, potencializada no caso de pessoas com deficiência.

— Há relatos de que os estupradores acham que estão fazendo um ‘favor’ em dar um pouco de experiência sexual àquela pessoa. Esquecem-se que uma experiência sexual deve ser consentida, não obrigada.

Na abertura da Pauta Feminina, falou a enfermeira, ativista, cordelista e escritora Onã Silva, cognominada “poetisa do cuidar”. Natural de Posses (GO), Onã é autora de um premiado livro com episódios da história da enfermagem em cordel. Ela apresentou um cordel sobre a superação de situações de violência. “Aquela mulher sofrida/ Não deixa ser escória/ Aquela mulher corrida/ Hoje é Maria da Glória.

O projeto Pauta Feminina é realizado mensalmente desde 2013. A edição de dezembro, sobre a Violência Sexual contra as Mulheres com Deficiência, foi uma iniciativa da procuradora da Mulher do Senado Federal, Vanessa Grazziotin; da coordenadora da Bancada Feminina da Câmara dos Deputados, Soraya Santos; da Procuradora da Mulher da Câmara dos Deputados, Gorete Pereira; do Programa Senado Inclusivo; e do Observatório da Mulher contra a Violência.

Da assesssoria de imprensa da Procuradoria da Mulher no Senado

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