Não se sinta jornalista quando não é repórter…
Comecei a militar no jornalismo quando tinha 18 anos, e, desde então, nunca mais parei. Motivo pelo qual estou credenciado a discorrer acerca de algumas impressões coletadas no exercício dessa interessante profissão. Explico o “interessante”: ser jornalista não é, necessariamente, também ser repórter. Há distinções entre ambos, sim. E é no dia a dia que aprendemos a diferenciá-las.
A bem da verdade, até decepcionando amigos e eventuais leitores, jornalismo apaixonado não está presente em minhas veias, nunca esteve. Trata-se apenas de um meio de sobrevivência profissional que desenvolvi com certa qualidade, agradando os editores de jornais e emissoras de televisão nas quais trabalhei.
Inclusive, fui chefe de Reportagem da TVCA em Cuiabá (afiliada da Globo) e quase âncora de programa da Bandeirantes, quando entrava ao vivo. Sentir frio inexplicável na barriga é rotineiro a partir do momento que você está no flash luminoso da câmera e sendo observado por multidão de curiosos, durante passagens televisivas.
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Ao dizer “não se sinta jornalista quando não é repórter”, refiro-me também à arrogância de alguns formandos ao exibir pomposos diplomas universitários nas redações. Já na prática diária, em busca da notícia, eles simplesmente decepcionam. Já presenciei casos catastróficos de candidatos a jornalista gaguejando nas entrevistas e incapazes de escrever os fatos conforme sucederam.
Jornalista que se preze, portanto, nem pode se dar ao luxo de improdutividade, em decorrência da ‘falta de inspiração’. Eventuais vácuos do intelecto do profissional, fator normal em qualquer ser humano, devem ser municiados por informações capazes de emoldurar notícias.
Cansei de redigir sem a menor motivação páginas e páginas, fato que ainda acontece…
Enfim… Não existe jornalista sem estar atrelado à desenvoltura de repórter, a meu ver. Lógico que muitos (sem tal atributo) irão contestar isso. Talvez exibam diplomas para provar que são jornalistas e repórteres em potencial. Há controvérsias…
Porque, a partir do ingresso nas redações, eles estão por conta, ou seja: precisam efetivamente provar que o curso de Jornalismo os facultou a desempenhar as funções inerentes à área. Uma delas, com certeza, implica no domínio de textos e do idioma português (no Brasil); a outra, é a fluência na abordagem e desenvoltura nas entrevistas.
Recordo que uma colega jornalista, de TV, emudeceu ao abordar o então governador Dante de Oliveira na Assembleia Legislativa de MT. A custo, gaguejando, conseguiu formular a primeira pergunta. O experiente Dante percebeu seu nervosismo e a instruiu para que se acalmasse, antes de prosseguir. “Respire fundo duas vezes”, disse, A coleguinha ficou lívida…
Ainda tendo o governador Dante como figura de destaque, fui entrevistá-lo no Festival de Pesca de Cáceres, errando desastrosamente ao dizer: “Qual é a sua avaliação sobre o festival, governador Jayme Campos?”
Dante e Jayme eram tenazes rivais políticos, e ele rebateu de forma indignada: “Como você disse?! Governador Jayme Campos?!”
Esperto, percebi meu fora e respondi: “Apenas estou descontraindo o senhor, governador… Agora, vamos gravar mesmo! Atenção, câmera: gravando!”
O câmera não entendeu nada, comentando depois que gravara a desastrosa pergunta. “Rata minha, rapaz, delete!”, instruí.
Cito isso para explicitar que estamos propensos a errar continuamente, mas é fundamental ter classe e esperteza, essenciais à continuidade da profissão de jornalista. Um bom jornalista é aquele que sabe aproveitar o menor vacilo para transformá-lo numa boa manchete.
Como último exemplo, lembro que uma deputada petista, em encontro amigável com candidato a governador da direita, afirmou que ele era seu candidato “de coração”. Disse isso na presença de várias pessoas, nomes que anotei cuidadosamente, citando-os na manchete do jornal. “Deputada petista declara apoiar candidato da direita”. Nem adiantou ela esbravejar na redação: eu gravara sua fala. Lembram-se daquele gravadorzinho de bolso?
Por João Carlos de Queiroz, jornalista. Mtb 381-MT
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