Não esqueça também que você existe…
Apagões súbitos de memória são comuns, e até hoje esse tema é motivo de estudo frequente por parte da Ciência. À exceção de distúrbios psíquicos, a exemplo da doença de Alzheimer – ou amnésias recorrentes, em relação a nomes ou números -, tais esquecimentos não podem ser rotulados de anormalidade. As atribulações mundanas têm grande culpa nisso.
É trivial o caso de estudantes que, na hora dos testes de vestibular, simplesmente esquecem todo o conteúdo estudado. As respostas tanto ansiadas, vedadas no ato das provas, só vêm à mente somente quando deixam a sala de aulas, refazendo a calmaria do espírito.
Outra coisa: ao acordar, após turbulenta sessão de sonhos, alguns ficam desorientados por não conseguir se lembrar de nada. No entanto, ao determinar ordem ao cérebro para resgatar os sonhos, eles são desarquivados automaticamente. Tática igualmente utilizada ao esquecermos nomes de pessoas ou lugares.
Também nos defrontamos com situações embaraçosas no cotidiano, ao encontrar alguém que nos cumprimenta e até abraça fervorosamente. Mesmo sabendo ser pessoa conhecida, o cérebro bloqueia nomes e outras informações que poderiam identificá-la. Aí, sorriso embaraçoso no semblante, limitamo-nos a perguntar como vai a família, pois todo mundo procede de alguma…
Comigo já aconteceu isso várias vezes. Porém, fui praticamente encurralado ao ser abordado se sequenciara determinado projeto do conhecimento do misterioso interlocutor. Não tinha a mínima ideia de qual projeto ele se referia…
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Tais apagões, segundo especialistas em psiquiatria, podem ser originários da carga de estresse, tornando-se defesa natural da mente para evitar excessos. Mas é preciso muito cuidado ao termos noção de que existe falhas de memória em curso, apesar de não necessariamente uma doença. Isso, para não ter prejuízos ou aborrecimentos maiores.
Recordo que, em 2010, reuni a família para irmos a Montes Claros-MG. De Cuiabá a Belo Horizonte fizemos o percurso via aérea. Já na capital mineira, toquei dirigindo pelas rodovias 040 e, na sequência, 135, que cruza muitas cidades. No total, são 430 quilômetros de marcha estradeira.
Em Curvelo, onde chegamos perto de meio-dia, almoçamos num famoso restaurante de posto de combustíveis, bem ao lado da 135. Finda a refeição, fui pagar a conta, e retirei a carteira do bolso, depositando-a no encosto lateral ao caixa envidraçado. A atendente disse o preço e conferiu o valor em dinheiro, devolvendo alguns trocados. Pedi chicletes, repassando-lhe novamente o troco.
Sem perceber que esquecera a carteira no suporte de apoio externo do caixa, chamei meus familiares e reiniciamos a viagem para Montes Claros. Uns cinco quilômetros após, ao apalpar o bolso e senti-lo vazio, caí a ficha: a carteira! Ela tinha cerca de R$ 3 mil reais, além de cartões de débito, crédito e minha CNH e outros documentos. Dificilmente estaria lá se voltasse, mas foi o que fiz, meio desesperado.
Para meu espanto, apesar da longa fila, a carteira continuava intacta na mesinha do caixa, enquanto as pessoas pagavam suas refeições normalmente. Agradeci a Deus…
Foi aí que recordei um outro esquecimento similar, ocorrido em 2004, época em que fui coordenador de Comunicação Social da AGER-MT – Agência Estadual de Regulação de Serviços Públicos Delegados: quase fiquei sem documentos e todo meu salário mensal!
Antes de me dirigir à AGER, saquei o salário no Banco do Brasil, na Avenida Carmindo de Campos, a mesma avenida da empresa estadual. Depois, cumpri meu expediente normal, que se encerrava ao meio-dia. Saí para almoçar ali perto, numa galeria composta de lojinhas de roupas, brinquedos, relojoarias e um conceituado restaurante, onde a maioria dos funcionários da AGER tinha conta.
Minha pasta (com pertences, carteira, etc.) foi depositada na cadeira vaga ao lado, e almocei tranquilo, observando o intenso burburinho local. Ali mesmo, na mesa, assinei a despesa na conta, agradecendo e indo pra casa, situada a uns seis quilômetros. Mal estacionei meu velho Fiat, estendi a mão direita para pegar a mochila no banco traseiro, nada encontrando. Ficou na cadeira do restaurante!
Nem retirei a chave da ignição, dando partida e voando rumo à Carmindo de Campos, em direção ao refeitório do qual saíra minutos atrás…
Não era uma mochila pequena, mas grande, e dificilmente não seria notada pela massa de clientes que sempre aportava ali. Muitos, inclusive, ficavam aguardando lugares em pé.
Em resumo: àquela altura, minha mochila e tudo que levava ganhara novo dono. Conclusão incômoda, lógico, mas fui lá, arriscando levar multas de trânsito pela velocidade desenvolvida em área urbana.
Adentrei esbaforido no refeitório, garganta seca de emoção, à procura da mesa em que estava. E, surpreendentemente, minha adorável mochila continuava do jeito que a deixara. Conferi os pertences e nada estava faltando. Se soubessem que portava meu bom salário de coordenador de Comunicação…
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Tenho amigos que também esquecem tudo, das coisas mais simples (celulares, chaves de carro) à própria companheira. Um deles dormiu ressacado quando era aguardado para noivado pomposo que iria oficializar. Saltaram o muro da casa dele e acordou zangado, queixando-se de nem poder dormir em paz. Foi o mesmo que esqueceu a chave do carro dentro do pacote de queijo; foi encontrá-la depois, já congelada.
Registrei, por outro outro lado, uma série de esquecimentos pessoais interessantes, saltando inclusive dias da semana e datas de aniversário. Não lembrar do próprio natalício é demais! Pior ainda, é deletar a famosa sexta-feira e ir trabalhar num sábado, dia de folga em repartições públicas.
ENTÃO…
Quando residia em Montes Claros, deixei minha moto num posto de gasolina da Praça da Matriz, ao combinar cinema domingueiro e lanchonete com amigos. Depois do faroeste e farto lanche, substituto de jantar, retornamos pra casa em animada conversa.
Quase chegando, um dos amigos quis saber por que deixara a moto em casa. Retornei correndo rumo ao posto de combustíveis, sentindo incômodo bafo gelado madrugador açoitar meu rosto. O guarda do Posto Esso, Nestor, senhor idoso, percebeu meu esquecimento e desandou a rir. Saudades dele…
De tudo que esqueci, considero mais grave ter galanteado e saído e com as mesmas musas sem reconhecê-las. Jurava ser conquista nova. Uma delas foi enfática ao dizer:
– Não sabia que era piadista, cara: até parece que não saímos outras vezes! Está variando ou zombando da minha cara, hein?
Nem vou falar hoje da quantidade de vezes que reprisei ações protagonizadas momentos antes. Não, fiquem tranquilos: ainda não é o Mal de Alzheimer. Acaso fosse, sequer lembraria disso tudo… E, principalmente, que hoje ainda é terça-feira: a semana chata mal começou!
Por João Carlos de Queiroz, jornalista-editor-geral do site.
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