Menino bruxo ainda deve andar pelos corredores do Colégio São José…
Minha sala ficava meio escondida no pavimento inferior do tradicional Colégio Marista São José, a notável ‘Escola de Bruxos’ da ‘Princesa do Norte de Minas Gerais’. Tinha essa macabra impressão pelo vai e vem ininterrupto dos futuros “Irmãos Maristas”: os internos trajavam destacadas batinas pretas ao andar rapidamente pelos corredores. Pressa pra quê?
Cansei de vê-los nesse vai e vem ininterrupto, por anos e anos. Também vi um menininho ruivo andando de velocípede pelos corredores desertos. Que criança esperta! Bastava me ver para acelerar seu velocípede e sumir na próxima curva! Talvez nem Ayrton Senna, se vivo fosse, conseguiria alcançá-lo…
Só fui perceber ser um fantasminha quando sumiu perto da entrada da Sala de Anatomia, núcleo da FAMED, existente no andar superior do colégio. Muitos defuntos descansavam ali, guardados em formol, sendo objetos de estudos constantes dos universitários.
Jamais esquecerei o dia em que um professor destrinchou um coração humano diante dos nossos olhos apavorados…
Enfim, nem preciso dizer que fui o único a avistar essa criança malina, o menino do velocípede. Os internos do colégio até riram quando os abordei para perguntar quem era. “Ficou louco, é? Menino andando de velocípede dentro desse colégio?” – resposta de um deles.
Estudei no São José por anos seguidos, formando-me no 2o. grau. Mas não foi nada fácil conseguir o sonhado diploma, pois tudo era muito exigente naqueles tempos idos, entre os anos 60/70. Para se ter uma ideia, tremíamos de medo só de pensar no castigo da temível palmatória.
Felizmente, nunca cheguei a presenciar nenhuma ocorrência do tipo. Porém, os alunos mais antigos do educandário alastravam pavor: diziam ter presenciado “correções” à base de palmatória. Isso sempre resultava em mãos inchadíssimas.
ASSIM, em alerta constante, passei a desconfiar dos professores, em geral, incluindo os que denotavam bons modos. De repente, podiam sacar alguma palmatória…
O professor de Geografia, Sapucaí, era um dos que mais me inspiravam receio aberto. Ele nos aguardava sempre sisudamente na sua imensa sala, situada no piso superior do colégio. Entrávamos ali em fila silenciosa, enquanto o mestre Sapucaí nos olhava atentamente; creio que para captar alguma traquinagem…
Hoje, só tenho elogios ao fazer ao bom Sapucaí, pois reconheço o quanto foi excelente professor de Geografia, ministrando ensinamentos didáticos de forma inusitada, moderna. Passei a gostar de suas aulas.
Já o austero professor de História, AYALA, tornou-se nosso símbolo de terror diário: estremecíamos de medo ao vê-lo adentrar em passos arrastados pela sala, pasta debaixo do braço.
AYALA não gostava de muita conversa, e em minutos passava a riscar o quadro negro, passando tarefas. E quando falava, exigia silêncio e atenção total. Se alguém cochichava, ele parava de falar na hora, convidando o cochichador pra continuar falando. “Todos querem ouvi-lo, continue!” – ironizava.
Errei ao pensar que AYALA não seria capaz de castigar ninguém: certa vez, fui obrigado a ficar de braços abertos, rosto colado ao quadro negro, durante toda sua aula. O motivo? Não trouxera a tarefa caseira. Na realidade, um trabalho bem chato sobre a História do Brasil. Fui dizer isso e ele me puniu.
A partir daí, nunca mais deixei de cumprir suas determinações, ainda lembrando da dormência que senti nos braços e pernas pela incômoda posição estática, durante 50 minutos. Se afrouxava o rosto do quadro, AYALA mandava que o colasse ali novamente. Sensação atormentadora de falta de ar…
Minha mãe, professora historiadora, lecionou também História no Colégio São José. Maria Eny não aprovou o castigo do professor AYALA, mas teceu reprimendas à avaliação de “chata” que fizera da tarefa recomendada sobre a História do Brasil.
Apesar de tudo, sinto saudades do Colégio Marista São José…
Por João Carlos de Queiroz, jornalista
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