Lúcio do Caju: bruxismo que encanta de mistério as noites musicais de Cuiabá
Decididamente, Lúcio do Caju, artista irreverente da capital mato-grossense, não é uma pessoa comum. Nunca foi. Nunca teve a menor vontade de se integrar aos "normais" que circulam por aí. Daí que resolvi falar dele também de forma diferente, sem me ater às regras redacionais noticiosas. Pois é complexo tentar descrever essa figura tão estranha e, ao mesmo tempo, tão querida, que atrai adultos e crianças...
Por João Carlos de Queiroz – De há muito ouço boêmios inveterados alardear sem qualquer dúvida: “Quando tudo está fechado em Cuiabá, alta madrugada, Lúcio do Caju ainda funciona. É sempre uma alternativa segura de boa música”. Isso não significa que seu barzinho seja estepe de noitadas, nada disso: ele se integra, desde cedo, ao “bate-pés” cuiabano. E quem não chega cedo, ou agenda lugar, fica sem mesa, à espera de vagas na calçada frontal. “Casa cheia” são palavras que sintetizam o movimento regular do estabelecimento.
Essa degustação de sucesso musical acontece – por incrível que pareça – num ambiente que envolve estranhezas do agrado geral; de quebra, elas valorizam ainda mais o barzinho “Luci’us do Caju”, de há muito referência prazerosa e tradicional na região central de Cuiabá. O certo é que o estabelecimento impacta pelo visual agressivo. É correspondência clara do jeito de ser do seu proprietário, adepto de aberto desprendimento ao mundo real, com inserções repetitivas à fantasia que emoldura sua vida.
Lúcio do Caju, que assina Santos, já recebe quem chega ao barzinho com um meigo sorriso largo, chapelão estilo morcego, capa de Batman. Difícil imaginar como consegue conciliar tanta extravagância de trajes com desenvoltura atleta, evidenciada em passadas rápidas, ágeis. Não raramente, ele se detém para checar as condições físicas dos cantores, municiando-os de água e palavras amigas, para então entremear rodopios inusitados no embalo de ritmos musicais diversos. Uma forma de dizer que o show está bom.
Esse jeito vampiresco, conforme alguns já o definiram, é justamente o maior chamativo de sucesso do barzinho, que talvez só tenha um pequeno pecado mortal: os sanitários não representam o mínimo conforto a madames e senhores sisudos, tornando-se uma pequena jornada penosa quando a bexiga reclama estar sufocada. Evidente que são peças de quase descarte no todo do ambiente, em que se misturam trabalhos artísticos, quadros, esculturas, vasos, fotografias e peças que muitos não entendem o porquê de estarem ali, em plácida observação de autoritarismo vencido pelo tempo de vida.
Vinícius “Batatinha”: “Lúcio tem mil virtudes”
Nada disso impede que o barzinho registre presença maciça nos finais de semana, com mesas apinhadas de gente alegre de todo tipo, que sacoleja o molejo físico ao som de flashback e arranjos roqueiros. E quando Lúcio do Caju resolve ser o astro da noite, aí é aclamação coletivamente acalorada, ainda que todos saibam que o artista não tem na voz nenhum potencial dos astros da música. Percebe-se, porém, que sua figura é tudo que a clientela deseja ver no comando de canções arredias aos tempos modernos ou mesmo as mais recentes, sucesso nas paradas.
“Nem sei precisar direito quem ele (Lúcio Santos) é. Talvez reúna um pouco de tudo: doido, alegre, imprevisível, bom pai de família. Tem grande carinho e atenção com os filhos (Lurene, 19, Vitória, 11, e Luan Santos, 14)”, diz sorridente a esposa, Valdirene Santos.
Para muitos profissionais da música que conhecem a trajetória de Lúcio e, inclusive, costumam se apresentar no seu barzinho, o artista foge longe de qualquer conceito racional com que possam tentar defini-lo, dado seu grande porte misterioso e também talentoso. Opinião que Vinícius Castro (“Batatinha”) e Mileide Tosi, cantores instrumentistas, afirmam ser uma definição próxima do que seria exatamente o empresário e artista Lúcio do Caju. “Só sabemos de uma coisa: Lúcio é 10, pessoa querida. Talento tem de sobra, e mais ainda: é carismático e amoroso com todos”.
O lado esvoaçante, de homem da noite, que pode virar morcego e voar a qualquer momento, é sentido por alguns dos seus clientes. Explica-se assim a atenção concentrada de quantos ali estejam a cada passo seu. “Quando ele passa, sinto uma lufada gelada, algo bem esquisito”, disse uma cliente, pedindo para omitir seu nome. E como Lúcio “passa”!
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O artista denota fôlego de campeão por horas seguidas, até que finalmente amanhece e tudo assume quietude angelical; encanto quebrado pela nuance majestosa dos raios solares…
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Difícil até imaginar que a aparência pacata do tímido barzinho esconda, no seu interior, uma eclosão musical de impacto eventualmente tenebroso, ocasionado pelo zigue-zague de vultos inquietos. Todos se movimentam de forma ritmada, como se subjugados por algum poder maior, certamente cativos de uma espécie de hipnose.
E assim protagonizam um entra e sai ininterrupto por portas que parecem descortinar dimensões desconhecidas. E nem bem promovem essa imersão, ressurgem de cantos diversos da penumbra da casa, dedilhando anotações rápidas nas comandas sob as mesas, como se ungidos subitamente de alguma matemática especial. No fechamento da conta, que o próprio Lúcio do Caju calcula num rápido intervalo de passadas, tudo está rigorosamente certo…
Da cozinha, em meio a bebidas diversas que chegam e desaparecem sofregamente em bocas sedentas, vêm aromas e pratos simples, igualmente detonados em minutos.
Uma noitada nesse delicioso barzinho é um programa diferenciado do giro pontual nos demais estabelecimentos musicais de Cuiabá. Ali, o misticismo é naturalmente absorvido em horas que se arrastam em brados de êxtase feliz e danças provocantes, que brindam a essência do amor e a recente paixão descoberta. Alguém vai sair do “LUCI’US DO CAJU” fã de Drácula ou de bruxas, qualificando-os num patamar de simpatia que deveria ser tônica receptiva de toda a sociedade.
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