“Isso é só tiririca, doutor!”
Não foi nem uma, ou duas, três vezes, que o zelo da minha saudosa madrinha, Maria Neuza, transformaram minhas férias escolares em Belo Horizonte em visitas a médicos. Primeiro, ao oftalmologista, consultas regulares na Santa Casa de Misericórdia, atrás do Parque Municipal, área central da capital.
Nas cansativas sessões, eu era obrigado a acompanhar os soldadinhos ingleses marchando pra lá e pra cá, a fim de corrigir cômico estrabismo. Não bastasse isso, o médico ainda repassava tarefas caseiras, ou seja: mais exercícios para “consertar” minha incômoda condição caolha. Inevitáveis as consequências forçosas à visão: dores de cabeça, cefaleia crônica. Minha cabeça ficava zanzando…
Uma outra consulta foi num ortopedista, que bateu martelinho de borracha nos meus joelhos. Ri muito quando meus pés se levantaram automaticamente a cada batidinha leve. O médico observava minhas reações, perguntando se sentia algo ali. “Acho é engraçado, doutor!”, resposta repetitiva a cada indagação.
Nem entendi direito o motivo daquela consulta, pois eu andava muito bem. Coincidentemente, anos depois, a tia/madrinha se dedicou 100% ao primo-irmão Pedro Paulo, vítima de paralisia infantil. Pedrinho não se encontra mais entre nós…
Ainda sob avaliação desse ortopedista, eu esfreguei a lateral do meu pé esquerdo; fricção que soltou uns farelos de célula morta. Fingindo nada saber, o médico indagou:
– Ué… Isso aqui é o quê?
– É tiririca, doutor! Quer ver mais? Assim, é só esfregar com força que solta tudo!
O médico e minha tia gargalharam pra valer. Fiz cara de birra, bem zangado, para que se aquietassem. Criança alguma gosta de zombaria, não…
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Saí do consultório do ortopedista aliviado, comentando que ele era chato. Minha tia nem escutou tal queixume, pois eu costumava andar pelas ruas de BH à sua retaguarda, agarrado ao vestido longo. E a barulheira do centro silenciava as vozes crianças..
Na verdade, temia sempre me perder em meio àquela confusão de gente grande, ininterruptamente indo e vindo. Esbarrava sempre em algumas pessoas, mas elas nem paravam para pedir desculpas; e passavam indiferentes diante das barracas de camelôs, ignorando o aroma chamativo de maçã e outras frutas.
Por João Carlos de Queiroz, jornalista
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