Guarapari-ES também tem seus fantasmas…

Com maiores detalhes, republico experiência fantasmagórica que vivenciamos em Guarapari-ES. Ainda hoje sinto arrepios quando as lembranças daquelas noites me assaltam... A republicação foi necessária em face das cobranças da última postagem, quando muitos queriam saber maiores detalhes. Uma vez que digitei o primeiro texto no celular (tarefa cansativa), foi bem reduzido. Hoje, já usei um notebook...

Montes Claros-MG – No final dos anos 70, nossa família passou a residir numa chácara praticamente urbana, situada a poucos metros da antiga Malhada, bairro Santos Reis. Essa chácara, por sinal, reúne arsenal de ocorrências sobrenaturais, sinistros testemunhados por todos nós. Depois, com mais vagar, conto tais experiências…

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Naquela época, nosso carro era um fusca 1978, branco, equipado apenas com rústico toca-cartucho (fitas do tamanho da antiga fita vídeo-cassete). Nem revisão foi feita no VW para saber se aguentaria o tranco até Guarapari, distante de Montes Claros mais ou menos uns 1.200 quilômetros. “O carro está bom, mãe: podemos viajar imediatamente”, garantiu meu irmão José Antônio, o mais velho. Ela acreditou, lógico. Mesmo porque não entendia nada de mecânica.

Na verdade, aquela viagem seria um retiro de férias de final de ano: sonhávamos em conhecer o mar, e Guarapari era o litoral mais próximo de Minas Gerais, além de ofertar percurso interessante entre serras e cidades coloniais. Nos planos de visitação, Ouro Preto e Mariana, famosas pelas igrejas ornamentadas com ouro, esculturas de Aleijadinho, Tiradentes e outros fatores históricos.

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Mochilas entre as pernas, algumas sob o capô do fusca, deixamos Montes Claros de madrugadinha, ganhando a BR-135 rumo a Belo Horizonte. Passamos pela capital perto do meio-dia, almoçando rapidamente e seguindo viagem até Ouro Preto.

A planejada excursão turística na terra de Tiradentes foi rápida, não se constituindo no atrativo pensado antes de chegar lá. Aquelas ruas empedradas e íngremes nada tinham de convidativas, apesar do cenário colonial. “Vamos embora, minha gente, que temos trecho longo pela frente!”, disse o mano Zé.

Já novamente na rodovia, atravessamos Mariana e nos embrenhamos num revirado esquisito de curvas e serras até Ponte Nova, cidade aparentemente próspera, cortada por um imenso rio. Dali em diante, a viagem se tornou mais rápida e prazerosa, sem o incômodo esconde-esconde de serras.

O mano caçula, Marcelo, denotou contínuo deslumbramento ao ver fazendas e um desfile de casarões imponentes nas baixadas verdes. Minha mãe, formada em História pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, explicou que os casarões eram preservados pelo Patrimônio Histórico Nacional. “Abrigaram coronéis e escravos. Um tempo triste vivido pelo Brasil”.

Nas paradas para café e abastecimento, sempre perguntávamos aos frentistas quanto ainda faltava {quilômetros} até Guarapari. As respostas não eram necessariamente animadoras: “Estão longe, muito longe; devem chegar lá de madrugada”. Meu mano apertou mais o pé no acelerador do fusca, a fim de tentar reduzir o tempo de viagem…

Já noite fechada, descemos a famosa serra de Vitória-ES, o que exigiu atenção redobrada do mano. O trecho registra alto índice de acidentes fatais entre BH e Vitória, emoldurado por silhuetas rochosas esquisitas à direita.

A lua cheia facultou visão esporádica do perigo que corríamos naquela serra: se o carro derrapasse à esquerda, seríamos engolidos pelo quilométrico manto verde estendido a dezenas de metros abaixo. “Vá devagar, filho, nada de pressa!”, recomendou minha mãe (Maria Eny).

Mal instruídos quanto ao percurso, terminamos por adentrar na rodovia que leva a Vitória num trevo, quando o correto seria seguir em frente, quilômetros atrás. A madrugada na capital capixaba era desértica, e ninguém tinha disposição de prestar a mínima informação. Aí, nesse pergunta-sem-parar, um taxista se apiedou do nosso desconhecimento e disse para segui-lo, levando-nos à saída de Vitória. Vi com alívio a ponte que atravessamos ao entrar em Vitória ficar pra trás: era o caminho.

Pela programação de viagem, ficaríamos {em Guarapari} num hotel que mantinha convênio com a Cruzeiro do Sul, empresa turística pela qual minha mãe pagou parcelas por mais de um ano. Porém, sem GPS, chegar ao hotel seria difícil, e novamente fomos auxiliados por um taxista.

O recepcionista do hotel até achou graça quando ela apresentou nossas carteirinhas da tal Cruzeiro do Sul, informando-nos que era um golpe antigo. “Não tem nada a ver conosco, senhora. Esses pilantras já foram denunciados na polícia”. Diante desse fato, ela questionou como faria agora. “Estamos cansados, procedentes do Norte de Minas. Não temos recursos para bancar estadia nesse hotel, senhor. O plano era ficar em Guarapari pelo menos uma semana”.

Veio um outro recepcionista, que já estava atento à conversa, e disse que tinham um sobrado para alugar baratinho perto da praia. O colega de trabalho fez um semblante surpreso, comentando quase no “vão dos dentes”: “Aquele sobrado… É, se quiserem…” – complementou, irônico. O outro sorria meio debochado. Não entendemos qual era a graça ali…

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O sobrado estava razoavelmente conservado, com móveis e todo o básico que iríamos necessitar. Minha mãe preparou uma sopa e fomos dormir, pois já eram quase 4 da manhã. Nada anormal…

Acordamos perto do meio-dia, descansados e famintos. O sol forte incitava banho de mar, e após alguns ovos com pão e chocolate, montamos acampamento na Prainha, alternando o banho marítimo na Praia da Areia Preta, ali próximo. Hilária a visão de turistas untados com uma espécie de lama preta, enquanto outros se mantinham meio enterrados na areia escura. Areia medicinal, informaram.

Passamos pelo mercado horas depois e compramos sardinha, além de outros mantimentos. O pão com ovos ficou valendo como almoço. No início da noite, para nossa surpresa, apareceu uma vizinha e nos deu boas-vindas. Foi uma conversa banal, ainda que simpática. Ela surgiu do nada, e quando fui levá-la à porta, saiu rápido, desaparecendo feito um relâmpago na rua escura…

Sem televisão, fomos dormir cedo, e foi aí que o sobrado inofensivo começou a acordar. Em tempo: o contrato de aluguel era restrito à parte inferior, somente. Não entendemos o porquê de o andar de cima não ter ninguém e estar inviabilizado para aluguel…

A vizinha misteriosa nos disse que não morava ninguém naquele sobrado há anos, esquivando-se de mencionar o motivo. Reservada, instruiu para que o pessoal do hotel nos contasse. “Vocês vão terminar sabendo…”, disse. Não ligamos muito, atribuindo a falta de inquilinos do sobrado talvez ao preço que cobravam antes para alugá-lo.

O mais estranho é que a parte superior  parecia ser mais estruturada. Recordo que o recepcionista do hotel foi enfático quando fechamos o contrato por uma semana: “Eis as chaves da parte inferior. A de cima não está disponível”.

Como havia duas camas de casal no sobrado, dividimos assim: minha mãe dormiu com o caçula e eu com o mano mais velho. Ao acordar alta madrugada, senti que alguém abrira a porta do quarto e se posicionou bem a meu lado. Apertei os olhos fortemente, temendo checar e ver algo apavorante. Aquilo saiu arrastando depois os passos rumo à cozinha…

Meu mano Zé dormia a sono plácido, enquanto eu digladiava intimamente com as estranhezas desse sobrado. Para começar, era nítido o som de bolitas rolando o tempo todo pelo corredor superior (supus existir um). Passavam ruidosas sobre o teto do meu quarto, ricocheteando seguidamente nas paredes. E logo voltavam a cruzar o mesmo corredor. Isso sucedeu por tempo impreciso, até que consegui dormir, nem sei como…

No dia seguinte, minha mãe contou que alguém posicionara o botijão de gás no meio da sala de estar. “Se queriam roubar, bastava abrir a porta, pois a chave está lá”. Também se queixou da barulheira que eu e o mano fizemos durante a noite inteira. Inútil explicar que nos mantivemos quietinhos depois que as luzes foram apagadas, ela não acreditaria. “Ele dormiu que nem pedra”, descrevi.

Voltamos à praia todos os dias, e na sexta-feira, anterior ao nosso regresso no sábado, minhã mãe preparou um jantar caprichado. “Vamos dormir cedo: amanhã teremos uma longa viagem”, recomendou. Assim fizemos…

Mal nos acomodamos, começou a barulheira interminável no andar superior, agora com objetos caindo de supostos móveis ali acondicionados. E as bolitas continuavam rolando enérgicas pelo corredor, dando a impressão de que crianças brincavam  animadamente ali.

Veio então nova sensação de invasão do nosso quarto {ainda mais apavorante do que a primeira vez}. Pude sentir que a “coisa” parou a meu lado, e temi um súbito puxão de cobertas (fazia frio naquela noite). Era nítido o som da respiração arfante, fazendo coro com o ronco do mano Zé. Mesmo com a baixa temperatura reinante em Guarapari, comecei a suar frio de medo, e as gotas escorreram abundantes pela face e corpo afora, umedecendo o cobertor.

O mano mexeu então o corpo nervosamente, e isso me trouxe certo alívio momentâneo. Mais barulhos vieram da cozinha, dando a impressão de que arrastavam todos os móveis da casa. Meu fôlego, sufocado pelo cobertor protetor, estava no fim. O temor de abrir os olhos e ver aquilo que me atormentava sobrepujou essa pequena tortura…

De repente, ouvi um grito doloroso, arrepiando todos os pelinhos do corpo jovem. Fui salvo pelo gongo meio minuto após: minha mãe acendeu as luzes do quarto e nos intimou a vestir roupas imediatamente. “Vamos embora agora, não fico mais um minuto nesse lugar!”, disse nervosa. O caçula Marcelo estava com uma carinha apavorada ao lado dela, sem querer soltar seu braço.

O mano Zé avisou que subir a serra de Vitória com neblina seria perigoso, mas não conseguiu êxito. “A gente vai bem devagar, com cuidado. Anda, anda, vamos logo!” – voltou a exigir “Notinha”, apelido carinhoso.

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Deixamos a casa sem entender direito qual motivo levou nossa nobre genitora a nos retirar da cama e ficar tão indignada. Ao passar no hotel para entregar as chaves, ela contou que coisas estranhas aconteciam no sobrado. “Acordei com minha cama flutuando perto do teto. E só desceu quando pedi socorro a Nossa Senhora!”.

Eu arrepiei novamente, associando o fato ao sinistro visitante que invadia meu quarto e os que brincavam de bolitas no andar superior. Aquele sobrado era bem complicado…

O recepcionista sorriu levemente, e disse que o lugar era mal-assombrado. “Um cara assassinou a esposa e cometeu suicídio em seguida, no andar superior. Foi há mais de 10 anos. Desde então, ninguém consegue ficar ali nem uma noite: é um ambiente deveras assustador. Até que vocês aguentaram bem, uma semana…”

Rememorei na hora a fala da misteriosa vizinha, quando informou que logo ficaríamos sabendo sobre o mistério do sobrado. Ela frisou ser moradora no local há décadas, desde criança. “Sei de tudo que acontece por aqui”. Ficou também a dúvida se essa moça era viva ou um fantasma {esposa assassinada} que veio nos visitar simpaticamente…

Ao contrário do que temíamos, a serra de Vitória não comportava neblina preocupante, e assim seguimos viagem segura até que o sol raiou e nos convidou para um tranquilo café da manhã num posto de gasolina. Perto do meio-dia chegamos em Belo Horizonte, parada para almoço, e à noite já estávamos em Montes Claros. Minha mãe fez um juramento: “Não volto naquele sobrado nunca mais!”

Por João Carlos de Queiroz, jornalista Mtb 381.18-MT

*A foto é meramente ilustrativa, não corresponde ao casarão mencionado. Foi postada no Youtube por Flaviele Rosa, que enviou vídeo.

 

 

 

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