Futebol nunca esteve no meu sangue. No entanto, o tema dá boas histórias, não necessariamente envolvendo jogos

 Por João Carlos de Queiroz – Lá pelos anos 70, bem no início, até que tentei gostar de futebol. Via ali uma oportunidade de entrosamento maior com a turma de amigos e familiares, quase todos cruzeirenses fanáticos. Assim, nem sei quantas vezes embarquei em trens superlotados entre Montes Claros e Belo Horizonte, simplesmente para acompanhar o mano mais velho, torcedor nervoso do Cruzeiro.
Saíamos de Montes Claros-MG pontualmente às 17h, para aportar na sóbria estação de BH somente no dia seguinte, mais ou menos às 10:30h. Ou desembarcávamos horas depois, em Pires e Albuquerque ou Bocaiúva, cidades vizinhas, para visitar parentes paternos. Mas eu sempre ficava admirado com a empolgação futebolística a bordo dos vagões do “trem azul”. O assunto girava cansativamente sobre o embate esportivo das equipes, trilhos afora…
Dentro do trem, ainda tenho nítida lembranças na memória, os torcedores não emitiam sinais de cansaço em nenhum momento, transformando os vagões em baderna consentida. Não cessavam o batuque sequer nas rápidas paradas nas estações decrépitas do percurso, surpreendendo quem estivesse na plataforma para embarcar.
Nunca vi o chefe do trem reclamar desse barulho exagerado, tampouco os demais passageiros, supondo-se que alguns nem pudessem gostar de futebol. Evidente que os sorrisos escancarados do coletivo da galera viajante – excetuando-se o ar sisudo de alguns mais velhos – aprovavam aquele baco-baco. Como o futebol consegue tal proeza, também jamais entendi. Com o tempo, passei a apreciar isso também. Mais ainda, lógico, as viagens de trem e certos detalhes curiosos, observados no longo trajeto ferroviário, nas perigosas incursões aos vagões dianteiros da composição – o que exigia saltos precisos sobre as placas móveis dos engates.
No geral, eram boas viagens. À noite, depois do jantar no vagão-restaurante, torcia para que o samba dos baderneiros futebolísticos fosse substituído pelo matraquear das rodas de aço nos trilhos. Ledo engano, pois logo irrompia agudo vozerio musical, tornando-se a “segunda voz” daquele ranger ritmado e o buzinaço intempestivo da locomotiva. Creio que no intuito de afugentar animais, que faziam “roleta-russa” na suicida travessia férrea. Ou, talvez, para afugentar o sono dos maquinistas, outra hipótese plausível…
Inútil tentar dormir assim, tamanha a algazarra orquestrada pelos grupos adversários, que, no dia seguinte, conforme a tradição, lá pelas 16h, estariam em lados opostos do campo do Mineirão, respectivamente ostentando bandeiras do Cruzeiro e Atlético, clássico disputadíssimo. A amizade entre atleticanos e cruzeirenses só seria retomada na viagem de regresso. Os empates – dos vários que testemunhei – oficializavam equilíbrio nas eventuais discussões sobre qual equipe foi melhor em campo. Aí, todos bebiam para festejar ou apaziguar a frustração da derrota, e no final ninguém cantava mais, dormindo o tempo todo…
No desembarque em Montes Claros, evidenciava-se uma legião de rostos cansados de tanta farra, desanimados em recomeçar a semana; alguns, na expectativa de que, no próximo jogo, teriam motivos para comemorar vitórias imaginadas. Com primos cruzeirenses e atleticanos, eu “jogava” dos dois lados, desde que também embarcasse em mais uma aventura esticada sobre os saudosos trilhos da RFFSA (Rede Ferroviária Federal Sociedade Anônima). Ainda hoje, ao passar nas proximidades dos trilhos abandonados, ainda ouço o apitaço estridente das locomotivas, que por ali cruzavam diariamente…

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