CG-125 empreende voo suicida sobre boca de lobo em BH…
O amigo economista Afonso Celso, hoje residente em Brasília-DF, jamais esqueceu isso: o dia em que vimos a morte de perto, agilmente optando por escolha de caráter suicida. Ou saltávamos sobre aquela boca de lobo, escancarada em plena Avenida Dom Pedro II, via de nervoso escoamento de tráfego da capital, ou pediríamos bênção a São Pedro. Explico como aconteceu…
Em minhas visitas a BH, costumava filar a moto de Zeca Lopes, a barulhenta CG-125. Motocicleta com a qual rodava pelos quatro cantos da charmosa capital mineira, principalmente na região da Pampulha, ao redor do Mineirão, a imensa lagoa, etc.. etc…
Numa dessas viagens, fui com Afonso Celso, que nem hesitou em tomar assento na garupa e sair comigo para correr trecho em BH, geralmente em alta velocidade. Aquela CG, um dos modelos embrionários da futura Titan, da Honda, realmente gostava de ser acelerada. Eu nem ligava para o fato de não usar capacete e não ter CNH, na época. Por incrível que pareça, nunca fui parado numa blitz…
Então… Retornando da região da Pampulha (minha área predileta) pela antiga Avenida Catalão, acessei a Dom Pedro II rumo ao centro de BH. Uma via prática, apesar de sempre congestionada, fluindo tráfego pesado, sem parar.
Na garupa, Afonso tentava ajeitar seus longos cabelos. A exemplo dos meus, foram substituídos por calvície brilhante; nem demorou muito para isso acontecer.
Sem silencioso, a Honda CG roncava força liberta do potente motor vertical, ladeada por carros igualmente velozes. Pelo retrovisor, vi que uma fila ameaçadora nos seguia no mesmo ritmo. Se perdesse o controle da moto em tal situação, seria drástico.
Enfim, tudo indicava que acessaríamos logo o viaduto da Rodoviária sem problemas. Foi aí que vi a maldita boca de lobo à frente, gulosamente nos aguardando.
Afonso gritou apavorado, dizendo que não conseguiria passar pelo buraco sem cair. Mas não tínhamos alternativa: ele se posicionou imponente no estreito percurso; se desviasse a moto para um dos lados, seria abalroado pela chuva de carros.
– Segure aí, Afonso! Vamos saltar! – avisei a metros de a CG engolfar a boca de lobo. Além de não ter opção, mal imaginava qual desfecho Deus nos reservava para aquele apuro…
Engatei uma quarta repentinamente, acelerando a Honda ao máximo. Também empreendi puxão violento no guidão, tentando “voar” – por milésimos de segundos – sobre o ameaçador buraco negro. Decididamente, interferiu na tranquilidade do nosso passeio.
Enquanto tomava essas providências de puro cagaço, Afonso gritava a plenos pulmões uma única frase:
– Não vai dar! Não vai dar!
A CG nos salvou, alçando voo relâmpago sobre a traiçoeira boca de lobo. Só senti uma leve pancadinha no pneu traseiro, e deduzi que foi quando a travessia foi concluída com sucesso. Afonso e eu gargalhamos prazeroso, sentindo-nos vitoriosos pela façanha…
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Ainda com essa CG 125, que parecia uma codorna, por pouco não colidi com uma ambulância que avançou o sinal na Praça Sete: a moto deslizou de banda, e foi preciso bater os pés no asfalto para não perder o controle e ir direto ao encontro da fuselagem da ambulância.
A ambulância saiu derrapando de lado e bateu num carro que vinha em sentido contrário. E antes que a Polícia chegasse para registrar o acidente, eu já estava longe na Avenida Afonso Pena, preparando-me para subir o viaduto ao lado do Terminal Rodoviário. Nem soube o que rolou por lá…
Por João Carlos de Queiroz, jornalista
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