Cabulei muitas aulas de português para assistir filmes no São José…

Por teimosia, eu nem me dava ao trabalho de copiar as longas tarefas que o  professor JADIR (Português) expunha no quadro verde do Colégio São José. Na verdade, a gramática da Língua Pátria sempre me pareceu detestável, e sentia asco só de ver as recomendações do mestre expostas em gritantes letras garrafais: “Quero que definam: Predicado, objeto direto, indireto, análise morfológica da palavra, substantivo, etc…” Que coisa chata!

Na prática, nem sei como driblei, por anos seguidos, as exigências corretas do nosso idioma, e tampouco sei o porquê de o professor destacar abertamente conhecimentos que nunca tive. Tinha por mim que talvez simpatizasse comigo; eu o considerava um excelente professor.

JADIR costumava fazer desafios surpresas para avaliar sua turma. Vez ou outra questionava o significado de palavras consideradas difíceis pelos colegas. Irritava-se com tantos “não sei”, ou respostas incorretas. Isso ficava evidente no seu semblante…

Alquebrando a própria impaciência, o professor dizia então convictamente, em tom alto: “Tudo bem, tudo bem… Diga a eles, João Carlos”.  Pra variar, eu estava distraído em tais momentos, ora desenhando ou fofocando com algum colega. “Falou comigo, professor?!” – questionava.

– Exatamente. Quero que responda à classe o significado dessa palavra. Não poucas vezes eu indaguei qual era a palavra, de tão desinteressado que estava na aula. Educadamente, JADIR repetia: “êxtase”.

– Ah, significa suspense; quer dizer: situação apreensiva. Não necessariamente algo ruim: pode ser também boa notícia. Se você está na expectativa de receber um presente, e não sabe qual é, é um suspense positivo. Encontra-se em estado de êxtase, acho…

Nunca descobri se respondia tudo de forma correta, mas o professor geralmente sorria satisfeito, abrindo os braços em sinal de aprovação.

Ouvi brados revoltosos dos colegas várias vezes, em tais sabatinas. Cheguei a ouvir: “Esse cara é enciclopédia ambulante”. Um elogio imerecido, na realidade. Apenas lia bastante, de tudo.

Na aula de redação, por exemplo, o professor me dispensava para ir ao teatro do colégio assistir filmes ou treinar alguma peça teatral. “Você já sabe tudo que vou ensinar”. Dá pra imaginar a cara dos colegas quando saía da sala com sorrisinho sacana…

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FOI graças a essa mania de devorar livros, revistas e gibis, que escapei das chatas aulas de português no Colégio São José. Tinha poucos cadernos, e o de português nunca existiu. Para registrar alguma tarefa, rabiscava em algum impresso que achava nas lojas de eletrodomésticos.

O mais importante de tudo isso foi poder assistir muitos filmes no Colégio Marista, deliciando-me em manusear os projetores IEC 16 mm, devidamente autorizado pelos projecionistas do educandário. Daí desencadeou paixão por cinema.

JOÃO CARLOS DE QUEIROZ

 

 

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