Aventuras ciclísticas encampam romantismo…

Quem nunca sonhou em ter bicicleta? Desde que me entendi por gente, sonhava em ter um vistoso veículo ciclístico. Como queria saracotear pelo bairro Edgar Pereira a bordo de duas rodas! Invejava os meninos do pedaço ao vê-los pedalando felizes. Pareciam me provocar, tamanha a frequência com que passavam em frente lá de casa.

Minha mãe dizia para ter paciência ao ouvir meus repetitivos queixumes. A qualquer hora, segundo prospectava, a sonhada bicicleta chegaria. Mas, afinal, hora de quê?!

Presumia ser desinteressante andar de bicicleta na idade adulta.  Estava enganado…

Se essa era a recomendação materna,  contudo, restava acatar; continuei aguardando…

Ano após ano, desencantei-me ao não encontrar nenhuma bicicleta perto da árvore de Natal, na sala de estar.  Arvorezinha esdrúxula, sem luzes pisca-pisca. Também nunca entendi o motivo de meus pais “agasalharem” os galhos secos com algodão.

Natal por Natal, todo ano emplacava inédito desencanto ao amanhecer. Cadê minha bicicleta?

Para me agradar, o padrinho JOSÉ NAHUR sempre levava um carrinho ou tratorzinho no Natal, além de bolo. É outro que cantarolava lengalenga sobre visita de Papai Noel. Nunca disse não acreditar nele. Pensa num velhinho enrolado, sô!

Aliás, acaso existisse mesmo, nem chaminé tínhamos em casa pra ele descer com minha bicicleta. Melhor dizendo: eu fazia parte da agenda natalina de presentes?

Percebendo meu estado de lacônica decepção, meu pai tentava consolar:

– Ainda terá sua bicicleta, prometo, filho!

Difícil disfarçar notória expressão cética diante dessa nova promessa. Nem precisava de espelho para saber que minha fisionomia refletia muxoxo de desesperança.

Pirracento, também não quis mais ajudar a emplumar a árvore com algodão. Chega de tanta fantasia inútil!

Lembrei-me do endereço anterior, da terrível casa velha, onde tinha um velho velocípede. Por bom tempo, foi um solidário brinquedo, possibilitando passeios nas calçadas laterais e ruas mais acima.

Infelizmente, por conta do uso contínuo, o velocípede quebrou, ficando encostado para sempre.

Daí em diante, tornei-me contumaz filão de brinquedos alheios; assim aprendi a andar de bicicleta, dispensando as rodinhas auxiliares de equilíbrio.

CARRINHO DE CORRIDAS

Nas visitas aos parentes bocaiuvenses, descobri que meu primo Zé tinha um carrinho a pedal, sonho de qualquer criança! Idêntico aos de competição.

Minhas tias autorizavam que brincasse nele, mas tio Nilo, pai de Zé, não gostou nada disso. Bastava sentar no carrinho pra ele me fuzilar com os olhos. Nem precisava dizer nada: eu já saía de mansinho, fingindo desinteresse. Sabia estar sendo observado…

Na sequência, para garantir que não voltaria a mexer no brinquedo do filho, o carrinho era guardado em cima de guarda-roupas alto, inacessível a crianças de seis anos, minha idade. Ainda trancava o quarto, olhando-me triunfante. Tipo um: “Quero ver agora se você consegue pegar…”

Aos nove anos, deletei a imagem desse carrinho para substituí-la por bicicletas. A única que tínhamos em casa era usada por meu pai. Servia, às vezes, de transporte escolar. Minha mãe era garupa contumaz.

Gerente da Transportadora Expresso Mineiro, meu pai ululou ao receber da matriz da empresa, sediada em BH, um caminhão Chevrolet a gasolina, designado para efetuar a distribuição local da carga.

Aos poucos, sob instrução do motorista César Gaguinho, ele aprendeu a dirigir, desinteressando-se de vez da bicicleta. Um dia, ar animado, chegou e disse:

– Você pode usá-la! Mas, vou avisando: ande com cuidado! 

Por ser alta, eu pedalava vergando o corpinho franzino pra lá e pra cá. Aos 11 anos, mais espichado, consegui me equilibrar razoavelmente, sem o ridículo ziguezague dançarino do corpo.

Não tardou pra tomar de amores por essa bicicleta, lavando-a todos os dias e lustrando os aros com palha de aço. Brilhavam faiscantes ao andar pela ruas da Vila Ipê, deixando rastro de poeira fina ondulando sob a vermelhidão tímida do sol crepuscular.

Senti-me assim realizado, feliz da vida por, finalmente, ter minha própria bicicleta. Inflava de orgulho ao receber elogios das meninas do bairro ao realizar peripécias diversas. Andar com apenas uma roda, ou levantar a traseira, ao frear subitamente, tornaram-se rotina nos meus passeios de final de tarde.

Por sorte, nunca levei tombo à vista de nenhuma garota. Seria mico total!

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Relembrando isso hoje, descubro que tais pedaladas encobertavam inegável dote de romantismo. Não raramente, tive inspiração repentina [para elaborar de textos poéticos] ao ouvir rasgo de pneus atritando ferozes no cascalho solto. Então gargalhava solto, contente pelo sonho realizado. E transpunha rampas de barranco em voos tresloucados…

POR JOÃO CARLOS DE QUEIROZ, jornalista.

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Antes, a bordo de surrados velocípedes, sonhava em ter um carrinho a pedal. Até andei filando o brinquedo de um primo bocaiuvense, mas seu pai [Nilo] o colocou em cima do guarda-roupa. E eu lá embaixo, olhos sonhadores no carrinho quase aéreo…

 

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