Artur Pimenta: seu dom de voar unifica sintonia carismática
O januarense Artur Porfírio Lima Pimenta é uma das excelências brasileiras na área aviatória. Já no primeiro contato, fica evidente o boa-praça que é, somando-se ao seu invejável profissionalismo no comando de máquinas voadoras.
Habilmente, Artur pilota um sem número de modelos bimotores e monomotores, como se estivesse “passeando de bicicleta” pelo parque. Detalhe: sem nunca perder o característico sorriso sincero e a segurança formidável.
Artur deixou sua aprazível cidade ribeirinha, Januária, cortada pelo Rio São Francisco, inicialmente para trabalhar no âmbito administrativo da empresa Pedras de Maria&Agropecuária, que mantinha escritório na Rua Irmã Beata, em Montes Claros. Tinha, além do avião Carioca, adquirido pela empresa, também uma caminhonete D-10 à sua disposição, veículos utilizados para prestarem serviços à diretoria. Os deslocamentos a Januária eram alternados via aérea e terrestre.
Ele permaneceu bons anos na Pedras de Maria& Agropecuária, desligando-se quando a empresa se desfez do avião Carioca. Convidado, foi voar pela Autonorte, concessionária GM em Montes Claros. Mas também essa empresa vendeu seu único avião, o Seneca bimotor.
Artur assumiu então, resignadamente, o posto de vendedor de caminhões da GMC (marca que deixou de operar no Brasil,tempos após). Foi quando o homem dos ares manteve os pés firmemente em terra, determinado à nova função. Mas logo retornou à ativa aviatória de forma triunfal, revalidando suas carteiras e oficializando importantes graduações na área.
Sua história, em síntese, é de lutas empenhadas para conquistar um lugar ao sol, a exemplo da maioria dos pilotos do País. Foram várias as crises superadas ao longo da carreira, entre os altos e baixos da aviação.
Isso possibilitou com que adquirisse experiência fenomenal: tanto aterrissou em pistas asfaltadas, ou cascalhadas, como também em “quase pistas”, campos de pouso improvisados, localizados em áreas isoladas do Norte de Minas.
O monomotor carioca, afirma, contabilizou várias operações do tipo, cumprindo bem sua missão nessa área. O avião é considerado pelos aeronautas um autêntico “jipe voador”. Arturzinho sabe colocá-lo no solo de forma extremamente suave, mal sendo perceptível o momento exato do toque do trem de pouso…
Uma ocasião, voando nesse Carioca, o nobre Artur realizou uma aterrissagem às pressas entre Januária e Belo Horizonte, município de Corinto, em decorrência de cólicas intestinais insuportáveis. Ele levava dois passageiros de carona, um padre e uma freira. Explicou que teria de descer por alguns minutos, só não informando a emergência estomacal.
Após o pouso, deixou correndo o avião e procurou uma “casinha” no terreno lateral à pista. Mas lá só havia montes de cupim, o que serviu de “porta” providencial para a erupção liberta do seu vulcão intestinal.
“Aquilo foi um dilema: o padre e a freira saíram do avião, postando-se em cima da asa. De lá me chamavam aos gritos,
mãos protegendo os olhos do sol: “O senhor está bem, comandante?”
Artur mal podia aguentar as dores estomacais, quanto mais responder. Nem podia se levantar, pois estava com as calças arriadas. Assim, movimentou um dos braços em sinal positivo. Lá de longe, os religiosos devem ter visto seus sinais de “aguarda um pouco” detrás do monte de cupim, pois pararam de chamar. “Acho que entenderam meu drama…”, recorda Artur.
Também voamos no Cessna 150 do Aeroclube de Montes Claros (que rebatizei com o nome de Aeroclube Flamarion Wanderley). Mais uma vez, comprovei a perícia invejável do amigo piloto. O Cessninha sempre pareceu compreender que estava sob o comando de um ás da aviação, e comportou-se sereno durante todos os nossos voos, obediência total.
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Artur dividia apartamento com o piloto iniciante Paulo Sérgio Marino de Oliveira, ex-caminhoneiro. Paulo conseguiu a proeza de conquistar todas as meninas que quisesse, e sequer poupava as amadas dos amigos. Quando se ausentou para renovar exames médicos no Rio (Certificado de Capacidade Física), onde permaneceu por dois meses, Artur sugeriu, em tom de brincadeira, para espalharmos que Paulo morrera de acidente aéreo. Sugestão dada, acatada… Isso motivou um chororó danado de suas fãs…
O problema foi quando Paulo apareceu de surpresa na sede do aeroclube: a secretária quase caiu da cadeira, lívida de espanto, inicialmente acreditando estar vendo um fantasma. “Mas você não tinha morrido?!”, indagou ela, mãos apertando nervosamente a face.
Eu estava também por lá e sorri sem graça, instante em que Paulo compreendeu a mutreta armada, disparando furioso: “Vocês inventaram isso, é? Sacanas, hein?!” Saí da sala bem rápido, pois poderia levar umas porradas…”
“Agora Paulo faleceu mesmo”, disse Artur meses atrás, de forma lacônica. Contou que ficou sabendo do óbito do amigo somente há pouco tempo. “Brincamos com isso no passado e terminou acontecendo”, lamentou.
Por essa mesma ocasião de atividades aeroclubísticas, meados dos anos 80, Paulo foi contratado para voar um Cessna antigo, monomotor de propriedade do empresário Carlos Humberto, da HP Engenharia. Preocupado com a inexperiência do amigo, Arturzinho o acompanhou em alguns voos, para ter certeza de que Paulo daria conta do recado.
“O patrão dele se deslocava muito lá pelas bandas da Bahia. Voos longos, debaixo de condições meteorológicas críticas, muita fumaça, e até chuvas. O que exigia maior conhecimento para operar instrumentos de navegação (I.F.R.). Coisa que Paulo não estava habituado na aviação. Sem falar que o Cessna é um avião indócil de pouso, principalmente quando tem vento na cabeceira da pista, de través. É preciso habilidade nesse procedimento…”
Assim, no ato da necessidade de renovação dos exames (C.C.F.) com o clínico credenciado pelo antigo Departamento de Aviação Civil, Elmo Araújo Caldas, na cidade de Paracatu, às margens da 040, Artur vislumbrou excelente oportunidade de repassar mais experiência ao amigo Paulo. Afinal, seria um voo longo, de ida e volta.
Nessa época, eu era presidente do Aeroclube de Montes Claros e estava com meu Certificado de Capacidade Física igualmente vencido. Consequentemente, seria um dos passageiros desse voo rumo a Paracatu-MG. Só que sonhei com o Cessna em questão estatelando feio no mato, ainda que os três ocupantes tenham saído ilesos…
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Na véspera da viagem, Artur instruiu para levantarmos bem cedo. “Quero decolar às 7h, no máximo”. Indaguei se iríamos no Carioca, ao que ele respondeu: “Vamos no “Cessnão” de Paulo. Preciso treiná-lo um pouco”.
Essa informação foi uma ducha d’água no meu entusiasmo: “Boa viagem para vocês. Nesse Cessna, adianto, eu não vou!”. E contei o sonho do acidente, os três passageiros a bordo que se salvaram. Artur quase rolou de rir. “Acreditando em sonhos?!”
Na manhã da viagem, um sábado gelado, ainda fiquei indeciso se iria ou não. Optei por acatar a anteninha de alerta: “Fique. Não vai”. Foi o que fiz.
No final da tarde, a apresentadora da TV Montes Claros anunciou: “Veja a seguir: avião de empresa montes-clarense cai próximo a Pirapora”. Já tive convicção de que era o Cessna dos amigos. “Não fique agourando, meu filho”, recriminou a minha mãe ao ouvir meu comentário. Estava certo, porém: era o avião pilotado pelos amigos. O Cessna quebrou a hélice e caiu numa área de plantio, sem causar um arranhão em Artur, Paulo e um passageiro carona. Já o aparelho ficou irrecuperável…
Artur passou a ficar cabreiro com meus sonhos. Uma manhã, ele me ligou para informar que iria chegar a Montes Claros no final da tarde, marcando assim um chope noturno. “Saio de Januária às 16h”. Avisei sobre um novo sonho, em que o motor do Carioca parou em pleno voo, sendo religado sem maiores problemas. “Rapaz, nem me diga uma coisa dessas!”, exclamou Arturzinho.
Já em Montes Claros, quando tomávamos o chope combinado, ele disse que o Carioca de fato “silenciou” o motor dentro de uma camada (nuvens). “Lembrei do seu sonho na hora. Tentei religar e o motor pegou sem problemas. Imagine o meu alívio…”
Por João Carlos de Queiroz (*jornalista, responsável pela reativação do Aeroclube de Montes Claros, entidade que presidiu em dois mandatos)
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