Aos porcos, meu adeus; deles, recebi somente olhares preocupados…

Numa das muitas viagens que realizei pedalando entre Montes Claros e Bocaiúva, percurso que considerava curto, o maior desafio (na ida e volta) era subir as serras que guardam as duas cidades. Cada uma tinha suas peculiaridades, exigindo esforço físico incomum. A atividade ciclística não costuma ser fácil…

Daí a necessidade de sempre levar limonada sem açúcar, acondicionada num velho cantil do meu pai. Realmente, matava a sede nas primeiras bebericadas.

Eis que, um dia, fui favorecido pela sorte: um caminhão Mercedes-Benz, carregado de suínos, também subia a cansativa serra, em cantilena chorosa. Nem hesitei: pegaria carona!

Só precisei aguardar o Mercedes para, disfarçadamente, aproximar-me de uma das extremidades da carroceria, pelo lado direito. O motorista, se me viu pelo retrovisor, não evidenciou nenhum sinal, pois prosseguiu a marcha, sem alterações. Senti-me mais confiante para filar a carona serra acima…

Com a mão esquerda agarrada na carroceria, e a direita no guidom (guidão), respirei aliviado por apenas utilizar os pedais como ponto de apoio dos pés. O caminhão de suínos veio mesmo a calhar…

Ainda que estivéssemos em velocidade moderada, ventos açoitavam o corredor da serra, expelindo fragmentos de palha de milho por todos os lados, inclusive no meu rosto. Um incômodo, na verdade.

Fitei os porcos tristemente, e lamentei que estivessem acondicionados de forma sufocante naquele caminhão. Uma vez que seriam imolados friamente, a facadas, mereciam mais respeito!

Os animais também me fitavam, talvez não compreendendo o motivo de estar ali, agarrado à carroceira. Piscavam repetidamente, exibindo cílios enormes. Percebi alguma apreensão nos olhares…

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Ao engatar marcha mais leve, emitindo barulho poeticamente suspirado, o Mercedes sinalizou ter vencido a serra. Outros engates precisos,  de barulho turbinado, roncador, foram acontecendo.

Em minutos, a velocidade do 13/13 aumentou muito, mas continuei insistindo na perigosa carona, comemorando minha chegada antecipada a Bocaiúva.

O caminhão passou veloz pela baixada da Lagoinha, e para subir a rampa seguinte, nas mesmas proporções da descida, só precisou engatar uma única marcha de força.

Os porcos continuavam a me olhar, tensos. Eu os cumprimentei com sorrisos, não vislumbrando qualquer reação animadora. Deviam pressentir algo; só não sabia exatamente o quê…

Na descida seguinte, agora da Pensão Cearense,  a coisa complicou de vez: lá vinha uma curva fechada à esquerda. Talvez fosse melhor desacoplar minha mão da carroceria e deixar de ser teimoso…

O Mercedes tampouco reduziu a velocidade ao efetuar a temível curva. Toda a carroceria decrépita rangeu avisos de pressão excessiva, “chovendo” mais palha no meu rosto. Os porcos deviam estar apavorados!

Ouvi ainda vários estalos metálicos alarmantes, seguindo-se trancos de volante, em ziguezague. O motorista tentava me jogar pra fora da pista, óbvio…

Para piorar, a bicicleta entrou em processo de desequilíbrio, sambando convulsões sequenciais. Iria ser esmagado pelo caminhão!

Tive convicção de não poder controlá-la com uma única mão. Portanto, a opção plausível, até mesmo emergencial, para salvar a vida, foi abandonar essa cômoda carona…

Pensam que isso resolveu? Foi muito pior!

Ao invés de ficar pra trás, a Lei da Inércia entrou em ação. Resultado: minha magrela de duas rodas cismou de ser aninhar sombriamente próximo às rodas do velho Mercedes, cujo barulho imitava o de uma cachoeira abundante…

A alternativa que encontrei foi jogar a bicicleta no acostamento estreito, pois senão seria esmigalhado pelos pneus. Só que, por estar ainda bem veloz, não consegui controlá-la, alçando “voo” repentino rumo ao capinzal abaixo, área toda alagada. Isso aliviou o impacto da queda e evitou ferimentos.

Mal aterrissei nesse capinzal alagadiço, escutei o diferencial do Mercedes ronronando na subidinha de acesso à entrada do distrito Pires e Albuquerque. Dei um adeus silencioso para os passageiros suínos.

Será que o motorista tinha consciência do que fez comigo?

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DIFÍCIL foi arrastar a bicicleta {estava intacta} até à rodovia 135, malha viária posicionada num plano mais elevado, em relação ao charco onde fui projetado. Perdi um dos sapatos nesse lamaçal, e também o cantil de alumínio do meu pai. Notícia ruim pra ele…

Por João Carlos de Queiroz, jornalista

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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