Um cavaleiro que deixou saudades…

Por João Carlos de Queiroz – O trotar manso, costumeiro, era conhecido pelas ruas empedradas do antigo vilarejo Pires e Albuquerque, incrustado entre Montes Claros e Bocaiúva – MG. Pires era então distrito desse último, e foi alçado à condição de município há anos, tornando-se Alto Belo, nome ridículo.
 
O cavaleiro em foco era meu saudoso velho, Carlos Petronilho de Queiroz, de há muito trotando nas plácidas paragens comandadas por Deus.
 
Carlão Rapadura, apelido que o amigo Zé Brotinho concedeu, tinha uma paciência de Jó. Alimentava-se devagarinho, chamando-nos {filhos} de “lagartas” pela movimentação rápida de garfos.
 
Também tinha paixão por pescarias, e cada programação do tipo, sempre composta por grupo familiar, incidia brilho entusiasmado nos seus olhos. Os pescadores ficavam dias no mato, retornando no velha caminhonete Willians do padrinho José Nahur.
 
Quando éramos crianças, bom contador de histórias, Carlão Rapadura alardeou ter caçado um lobisomem, acertando-o em cheio. Por sinal, o lobisomem nada mais era do que seu vizinho em Pires, segundo detalhes da dita caçada. Só voltou à forma humana após falecer…
 
O velho só não contava com minha memória fotográfica: ao inquirir mais detalhes acerca desse caso, já na fase adolescente, ele argumentou que eu devia ter sonhado com isso. Mas ficou ali por alguns instantes, olhos verdes me observando desconfiado…
 
Já com sua memória fragmentada pelo alzeimer, nossos papos ao telefone foram rareando, eu em Cuiabá e ele em Minas Gerais. Nem adiantou entusiasmá-lo ao discorrer sobre programas de pescaria, tentativa frustrada de reaver o pai perdido numa mente em devaneio gradual, longínquo.
 
Hoje, acredito que ele nem sabia mais o que significava a palavra pescaria. Mas fico feliz em saber que ainda continua na ativa de pescador e mestre em hortaliças, feliz habitante de um universo de imortalidade. É sempre a imagem que capto quando nos encontramos em sonhos…