No vai-e-vem da fase criança pelos trilhos da R.F.F.S.A. {Montes Claros/Belo Horizonte/Montes Claros}, aprontei poucas e boas. Diverti-me bastante ao gritar escondido atrás de alguma poltrona altas horas da noite, momento que os passageiros do trem navegam em sonhos. Não tardava e a luz era acesa pelo chefe do trem, sempre à espreita por perto. Ele checava então poltrona por poltrona para descobrir a origem daquela gritaria estrondosa. Eu sempre fingia dormir placidamente quando se aproximava. Por vezes, ficava ali por alguns minutos, certamente desconfiado de mim.
O homem ainda ia mais adiante, olhando os demais assentos. Sorria sem-graça ao ver que muitos passageiros acordaram após acender as luzes e exibiam caras carrancudas. Sabia que tinha sido inoportuno. Mal apagava as luzes e eu já disparava outro grito medonho. Cansei de escutá-lo vociferando toda a raiva que sentia daquela peraltice.
Nem minha mãe nem as tias – com quem sempre viajava – escutavam nada. Sono pesado que nem aquele é difícil… O chefe do trem cansou de perguntar pra elas se escutaram algo durante a noite. “Ele acha que foi você”, disse Maria de Lourdes (Uda), tia por consideração. “Esse velho tá caducando, tia”, respondi.
De outra feita, avistei um homem caminhando ao lado dos trilhos, momento em que o trem empreendia marcha moderada. Lancei uma baita cusparada no sujeito, que levantou a mão, gritando: “Espere só pra ver, moleque!”
Para meu pavor, o trem começou a reduzir a marchar drasticamente, pois estava se aproximando de uma estação. Reduziu até parar de vez, estalando toda a sua estrutura metálica. Desesperado, estiquei a cabeça pra fora da janela e vi que o homem que recebera a cusparada vinha mais rápido na direção do terminal, certamente disposto a me pegar. O jeito foi correr para o sanitário e ficar lá dentro até que um buzinaço anunciou a partida. Pela janelinha do sanitário, perscrutei se o sujeito não estava na plataforma. Não o vi mais…
João Carlos de Queiroz