Repórter fotográfico “Dema” recorda convívio com jornalista João Marinho: “Tou” chegando!”

Dois grandes amigos, colegas da Assembleia Legislativa de Mato Grosso; profissionais respeitados no jornalismo estadual. Cada qual com suas peculiaridades dinâmicas. Conto abaixo um pouco das impressões coletadas no meu convívio com figuras tão importantes para as gerações da época e referência para as atuais
Por João Carlos de Queiroz – No final dos anos 90, quando cheguei em Cuiabá e fui assessorar o então deputado estadual João Teixeira, titular da 1a. secretaria da Assembleia Legislativa de Mato Grosso (atual prédio da Câmara Municipal), fiz ali muitos amigos, dois deles bem particulares e queridos: João Marinho Filho, jornalista, e o repórter fotográfico Demóstenes Milhomem,“Dema”. Ambos muito agitados, impacientes… Mal paravam para conversar comigo, ou, se conversavam, não largavam seus respectivos afazeres: Marinho, por exemplo, estava sempre compenetrado diante de uma surrada máquina de datilografia (usava só dois dedos para dedilhar), enquanto o bom Deminha fungava o tempo todo, enfurnado no apertado setor fotográfico do Legislativo; sempre rodeado de câmeras, luminárias, ou revelando filmes…
Assim, por bom tempo, curti a amizade interessante desses dois colegas no recinto parlamentar, raramente podendo extravasar conversas amenas, sem que nenhum compromisso profissional afetasse nosso bom papo. A alternativa encontrada foi me convidarem para ir visitá-los, o que fiz várias vezes, encantando-me com a sobriedade do dia a dia caseiro do João Marinho, sujeito muito organizado, casa limpíssima, silenciosa…
Já o amigo “Dema”, pela madrugada!, revelou-se pra lá de espalhafatoso no convívio familiar, apesar do zelo doméstico da patroa, dona Julimar, que o recriminava o tempo inteiro pela agitação extra. “Deixa o menino falar, Dema!” – dizia ela. Óbvio que o boa-praça Deminha, sujeito de carisma contagiante, nunca conseguia suavizar o “acelerador da vida”, falando rápido, mexendo nas coisas, ultimando tarefas, questionando, etc. Cidadão a mil…
Quanto me diverti vendo aquilo! O harmônico casal ainda reside na mesma casa de então, à Rua Duque de Caxias, Quilombo…
O fato é que, desde minha primeira visita ali, adorei o lugar, principalmente pelo quintal-bosque e a cachorrada solta, criação de Deminha; muitos latidos escandalosos ao menor sinal estranho. Aquela era a “selva de descanso do guerreiro Dema”, e, pelo que sua filha Júlia, também jornalista, me disse há alguns dias, ainda prevalece idêntica agitação costumeira no lugar, nada mudou…
Julinha, na época, era uma menina sapeca, curiosa, e corria leve e solta pelas dependências da casa, felicidade expressa nos olhos enormes e cristalinos, reflexo do grande amor paterno e materno que sempre recebeu. Nem toda criança é agraciada com mimos tão importantes na construção do seu futuro. Há famílias que desconhecem a importância de amar e se dedicar aos filhos…
Pois muito bem: ao perceber que o nobre Deminha também adorava animais, cães, resolvi presenteá-lo com uma cadelinha que alimentava nas imediações da ALMT. Transportamos a cadela até lá, mas a malandrinha fugiu no dia seguinte. Levei-a de volta, mas ela fugiu novamente, para irritação de Deminha: “Olhe aqui: se ela fugir outra vez, nem precisa trazer mais!”
Creio, hoje, que a cadelinha, por sinal bem esperta, compreendeu a essência séria desse aviso, visto que se tornou, nos anos seguintes, companheira obediente e carinhosa de toda a família. Deminha sorria largo ao dizer: “A danadinha ainda tá lá, toda sapeca! Vá nos visitar pra ver!” E eu ia sempre, lógico. Uma visita de pura delícia!
Por essa ocasião, o deputado Benedito Ferraz resolveu se candidatar novamente ao cargo, e pediu a João Marinho para escalar a equipe de assessores de imprensa. Eu já entrei na lista de imediato, e Deminha também, fotógrafo respeitadíssimo. Faltava acrescentar mais jornalistas, e João Marinho indicou Dorival, senhor idoso, que dizia ter registro profissional na área. Dorival, por sua vez, indicou seu amigo de farras cuiabanas, o tímido José Vieira, esse aí candidato a jornalista, mal sabia escrever…
Na ânsia de ver publicações sobre suas atividades de campanha, Benedito Ferraz, que era proprietário do Jornal do Dia, incumbiu Severo Cruz, editor, e Flávio Garcia, editor-assistente, para publicarem todas as matérias elaboradas pela “nova equipe”. O problema é que apenas eu redigia material de campanha, pois João Marinho, esquivo que nem sabonete, argumentava ao ser cobrado por telefone: “Tô chegando, aguardem aí!” Deminha balançava a cabeça desanimado, ciente de que ele nunca chegaria, como realmente aconteceu, após várias promessas do tipo.
“Hoje tem comícios, quero vocês a postos!”, determinava o candidato Ferraz, já denotando leve irritação pela precariedade de sua assessoria de campanha. Envolvido mais na elaboração de releases e jornalzinhos comunitários, eu incumbia José Vieira de cobrir os comícios; e lá vinha o dublê de jornalista com textos incompreensíveis, só “desvendados” quando perguntava sobre cada tópico apresentado. “Ah, entendi agora.. O comício teve pouca gente, pois choveu… Mas é preciso citar algumas lideranças que passaram por lá, para reforçar”, sugeria. José Vieira não tinha anotado nenhum nome. E o candidato cobrando resultados…
Não poucas vezes, Deminha opinou para demitir os dois inúteis, não há outro termo, desculpem. “Você está levando a assessoria sozinha nas costas, cara! João Marinho também escreve, e escreve rápido, é bom de texto. O difícil é colocá-lo diante da máquina. Sempre “tá chegando” e nunca chega, é enrolado demais!” – desabafou crítico.
Fiquei numa sinuca de bico: ciente da inexperiência redacional dos dois contratados, tive pena de demiti-los, e segurei sozinho as pontas na equipe de Ferraz. Até arranjei hospedagem gratuita para José Vieira, no Hotel Imperial, lugar onde o deputado João Teixeira abrigava todos que vinham do interior para tratamento médico.
Devo salientar que, no caso de João Marinho, ele tinha independência profissional, funcionário de carreira do Parlamento, à disposição do deputado Ferraz, licenciado. Explica-se assim seus contínuos escorregões dos serviços encomendados. Já José Vieira e seu companheiro Dorival, cá pra nós, poderiam ter dado as mãos e sair andando pela Rua da Ociosidade Incompetente, comentário ácido pelo qual também peço desculpas aos bons amigos que foram…
José Vieira ainda permanece vivo e exerce profissão jornalística em Alta Floresta, mas seu escora-farra dos anos 90, Dorival, não suportou o tranco da idade e, apesar de sua ânsia de curtição jovem, “bateu as botas” nas origens paulistas, Praia Grande. Deixou, no entanto, um vácuo saudoso; todos nós gostávamos dele, do seu jeitão de intelectual desatualizado. Nos anos em que convivemos, só não tive o prazer de ler sequer três linhas de sua autoria. Jornalista avesso à escrita, no mínimo…
Também fomos surpreendidos, tempos após, pelo falecimento súbito do colega João Marinho. O jornalista foi encontrado morto na cadeira de balanço de sua casa, Cidade Alta, em Cuiabá, onde gostava de dormitar após o almoço. Uma viagem serena, sem pressa, tal como foi seu trajeto de vida. O “Tô chegando” imortalizado, aliás, era sempre lembrado pelo próprio, às gargalhadas. Tinha total consciência da enrola feita no transcurso da campanha. Ferraz perdeu a reeleição. Não por culpa dele, claro…
Para finalizar, devo salientar que João Marinho ocupou importantes cargos na área de imprensa, inclusive de secretário de Comunicação Social da ALMT, na qual encerrou sua militância de dedilhar relâmpago no teclado de velhas máquinas da época, quando o telex substituía a atual internet. Marinho foi um ícone do seu tempo, sem dúvida, e até hoje é lembrado com extensivo carinho na imprensa mato-grossense…
Quanto ao meu amigo Demóstenes Milhomem, nome complicado, o intrépido Deminha, aposentou-se com louvor, não sem antes lançar um livro de memórias fotográficas, referência histórica dos ocupantes de cargos eletivos na Casa de Leis de Mato Grosso. Não fui visitá-lo recentemente, o que pretendo fazer, porém desconfio que irei encontrar o mesmo sujeito irrequieto, dinâmico, pronto a resolver as coisas do amanhã num presente alucinado. E sua terna patroa, outra desconfiança minha, ainda deve estar tentando impor restrições a esse ritmo inusitado de vida do exemplar companheiro, com quem ela trabalhou no mesmo lugar, Assembleia Legislativa.
São figuras fantásticas, inesquecíveis, diamantes humanos, de preciosidade inestimável;  e dispensam a mínima lapidação; joias perfeitas no formato original!
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