Talvez os padres da cripta da Catedral queiram sair…

A Catedral de Montes Claros guarda um arsenal de histórias reais e muitas lendas. Foi construída sobre um antigo cemitério, com registros fotográficos que impressionam até hoje. Também detém fama de ser uma das mais belas construções arquitetônicas religiosas do mundo. Enfim, há textos mais informativos e registros documentais precisos sobre esse famoso templo católico.

Uma das coisas que mais me impressiona na Catedral é a cripta localizada na parte de trás, onde descansam bispos que prestaram serviços na arquidiocese local. Quantos precisamente, não sei. Ainda ignoro se foi feita alguma reforma na igreja e, em função disso, mudaram a configuração da cripta.  Resido fora de Montes Claros desde o final dos anos 80.

Desde criança, eu brincava por lá, puxando meu inesquecível carrinho amarelo de corridas. Fazia parte do meu itinerário de passeios vespertinos, quase ao cair do sol. Sempre parava perto da cripta, olhando preocupado para aquela portinha gradeada e os lances difusos da escadinha escura. Lá embaixo, sabia, estavam os restos mortais dos sacerdotes.

Na verdade, medroso e curioso, nunca me atrevi a ficar por mais de 10 segundos nessa entrada gradeada, temendo que, de repente, algum dos bispos ali despontasse afoito, querendo sair. Grande bobagem, decorrente de intempestivo pensamento infantil…

Até pensei que uma menininha fantasma, moradora de casa meio abandonada da pracinha vizinha da cripta, fosse parente dos bispos engavetados na cripta. Ela sempre surgia em cima do muro para me cumprimentar, e cogitei a possibilidade de nos tornarmos amigos. Fui saber quem era e informaram que falecera há décadas. Ou seja: a casa em questão não tinha nenhum morador vivo.

A partir daí, mudei meu itinerário tradicional, descartando encurtar caminho de volta ao lar pelos fundos da catedral. Pois lá estava a cripta posicionada em aspecto desafiante, porta gradeada passível de ser escancarada sem aviso nenhum. “Será que os bispos surgiriam com as vestes religiosas da época?”

Já adulto, ao volante do nosso velho Dodge 1.800 GT, carro familiar, empreendi esse percurso tão temido na infância altas horas da noite, olhando firme em direção à cripta. Nada. Os bispos realmente descansavam.

Somente uma ocasião, perto das 2h, dei de cara com uma garotinha de chapeuzinho e toda elegante, trajes bem antiquados, sentada em frente à Catedral. Esperaria alguém? Estranho uma criança estar sozinha tão tarde da noite, sob temperatura gelada. Os pezinhos dela balançavam felizes na rampa frontal da igreja.

Fiz novo giro na igreja, novamente passando em frente à cripta, e a garotinha simplesmente havia sumido. Olhei ao redor e não vislumbrei nem sombra de alguém. Montes Claros dormia em sono plácido.

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Não passei mais pela retaguarda da emblemática catedral, entendendo estar desrespeitando quem só deseja paz perpétua, após cumprir a missão terrena. Mas ficou a dúvida: e se algum dia os bispos se agruparem na porta gradeada e pedir para alguém abrir?  Aí, vai depender da fé e da coragem do transeunte em questão, lógico…