Localizada na Avenida Mestra Fininha, 1.225, Montes Claros-MG, sede própria, a Escola Estadual Professor Plínio Ribeiro registrou mutação de endereços ao longo dos tempos. Funcionou, por exemplo, no velho sobrado da Rua Coronel Celestino, imortal sede charmosa da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. Minha saudosa mãe lecionou História nesse prédio centenário.
Ali funcionava também os cursos Normal e Primário. Fui um dos alunos desse último. Inesquecível as atividades escolares desenvolvidas pela atenciosa professora Cleonice; nossa sala ficava no andar superior. Particularmente, adorava subir aquelas escadas que rangiam cansaço centenário…
Esse emblemático endereço, por sinal, faz vizinhança com outros casarões antigos da cidade. O popular Beco da Vaca (Rua Cabo Santana) é um dos destinos rotineiros dos tocadores de viola e seresteiros, em geral. O bate-cordas boêmio se constitui em salutar programa turístico. Eventualmente, segundo amigos, eclodem reclamações da vizinhança. Há quem apenas queira dormir…
Começo, assim, o resgate de minhas lembranças na velha e querida Escola Normal. Nem todas agradáveis, reconheço, pois algumas reavivam traumas. O episódio do tamarindo, fruto que detesto até hoje, é um deles. Perseguição implacável protagonizada por colega brutamontes. O detestável garoto obeso se constituía no terror dos pequenos estudantes…
Antes de prosseguir, devo esclarecer o seguinte: segundo o Google, “tamarindo é um fruto de árvore chamada tamarindeira. Tem origem africana, mas é cultivado principalmente na Índia”.
POIS MUITO BEM…
Então criança indefesa, certo dia, na hora do recreio, fui obrigado, pelo mencionado gordão, a comer um pacote inteiro dessa detestável frutinha marrom. Quanta agonia!
O fato aconteceu quando todos saíram afoitos da classe, após ecoar o toque choroso da sirene, liberando a criançada para o recreio. Pateta que sou, vacilei ao ficar por último, guardando cadernos e lápis. Assim fui impedido por esse guarda-roupa gelatinoso de lanchar. Ou melhor: “lanchei” o hediondo tamarindo.
Até tentei sair da classe, mas recebi baita solavanco de suas mãos volumosas. Ainda gritou ameaçador, cuspindo saliva gosmenta na minha cara: “Fique quietinho aí, nanico, ou vai é cair no tapa!”
Logicamente, acatei de imediato. Sabia que aquele gordão tinha mania de bater em todo mundo na escola. Obedeci sua ordem sem pestanejar.
O arrogante colega trancou a porta por dentro e apresentou, triunfante, seu instrumento de tortura: um saco de tamarindo. ARGH!
Não entendi, a princípio, qual seria sua intenção, até que, ameaçador, ele me entregou o pacotinho, ORDENANDO:
– Coma tudo! Não é pra sobrar nada, ouviu? Senão, já sabe, vai ter comigo…
Disse isso já exibindo uma de suas mãos grandes, típica ameaça de soco…
Encurralado pelo monstrengo mirim, não tive nenhuma escolha: teria que mandar todo o conteúdo daquele saco, goela abaixo. Meu Deus…
Enfim, foi um suplício ingerir o azedume de cada uma da detestável frutinha. O pacote de papel parecia inesgotável. Imagino a cara relutante que fiz, em contraste à de delirante prazer, escancarada pelo gorducho sacana…
Na verdade, nunca gostei de tamarindo: frutinha sem-graça, tipo jambo; esse último tem aroma de perfume e nenhum sabor.
Sofri duplamente, assim. Pra piorar, o recreio não acabava nunca, enquanto eu era forçado a devorar o odioso tamarindo.
Atento a cada engolida, o gorducho gargalhava sonoro. Quanto sadismo!
Nem sei definir bem qual foi meu sentimento quando o saco de tamarindo esvaziou. Na verdade, houve transferência forçosa do seu conteúdo para meu estômago, sopitando náuseas seguidas.
– Ei, se vomitar aqui apanha feio! – avisou o balão de banha.
Sempre gargalhando grotescamente, o ogro malvado destravou a porta e disse que agora podia sair. Pelo que calculei, o recreio estava no fim.
Espertalhão, ficou perto da porta à minha espera, e logo descobri o motivo: aplicou-me um cascudo violento.
A pancada forte dos seus dedos volumosos me deixou tonto, e quase caí no corredor. Nem quis olhar pra trás, correndo em direção ao banheiro, ansioso para vomitar tudo que fosse tamarindo.
Aliás: esse descarte estomacal foi previamente anunciado por explosiva gosma azeda. O plasma esverdeado sopitou parte do assoalho e a entrada do sanitário.
Saí dali meio zonzo, a tempo de ouvir a sirene de ambulância anunciando o fim do recreio…
Alguns coleguinhas me questionaram sobre o porquê de não ter ido lanchar. Melhor ficar calado: aquele gordo era vingativo…
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Desde então, só de ver tamarindo, ou sentir algum aroma azedinho meio similar, meu estômago embrulha na hora. Ingerir a fruta, mesmo em forma de suco, nem pensar: é reavivar toda essa angústia de minha época infantil.
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Naquela tarde ensolarada, recordo bem, o Sol perdeu lugar para um persistente nublado de tristeza revoltante; sentimento que invadiu meu coração inocente, em decorrência de ter caído nas mãos do maior malvado da escola.
Foi o dia em que o azedo tamarindo substituiu asquerosamente o delicioso mingau de fubá que as cantineiras serviam aos alunos, acrescido de generoso pão com salame. Pelas expressões satisfeitas dos colegas, revitalizados pelo lanche, pude adivinhar que foi mais uma rodada suculenta na cantina. Até suspirei ao saber que o mingau daquele dia continha pedaços de queijo…
Por João Carlos de Queiroz, jornalista Mtb 381.18
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