As imagens do homicídio do norte-americano negro George Floyd por um policial branco em Minnesota (Estados Unidos) no dia 25 de maio rodaram o mundo. O vídeo mostrava Floyd, de 46 anos, já imobilizado no chão e, sobre ele, o policial Derek Chauvin pressionando seu pescoço com o joelho. Durante a ação, que se estendeu por oito minutos e 46 segundos, Floyd disse várias vezes I can’t breath (Eu não consigo respirar),antes de morrer por asfixia. O fato provocou uma onda de protestos contra o racismo e a violência policial – movimento intitulado Vidas Negras Importam – que tomou as ruas de diversas capitais do país e ultrapassou fronteiras. Estrelas de diversas modalidades esportivas se engajaram publicamente na luta contra a discriminação racial, assim como clubes e instituições ao redor do planeta.
Em um primeiro momento, devido à paralisação das competições por conta da pandemia de covid-19, vários atletas recorreram às redes sociais para extravasar a indignação contra a injustiça racial. Entre eles o ex-jogador Michael Jordan, hexacampeão da NBA – principal liga de basquete profissional nos Estados Unidos – as tenistas Serena Williams e Coco Gauff, além de Lewis Hamilton, piloto britânico que este ano conquistou o hexacampeonato na Fórmula 1. Na Europa, onde a bola voltou a rolar mais cedo depois das paralisações, os protestos ocorreram em campo, antes do apito inicial.
No Brasil, jogadores de futebol da nova geração como Talles Magno (Vasco) e Igor Julião (Fluminense) foram às redes defender atitudes antirracistas. “Eles percebem que não adianta ser rico e famoso, porque o racismo vai continuar a persegui-los, seja nos campos brasileiros ou europeus”, analisou na ocasião Marcelo Carvalho, fundador do Observatório da Discriminação Racial no Futebol, em entrevista à Agência Brasil.
Os clubes também engrossaram os protestos, mas em um país com tantos craques negros – Pelé, Garrincha, Leônidas da Silva, Djalma Santos e Didi – apenas a Ponte Preta, entre as agremiação das Séries A e B do Campeonato Brasileiro, é presidida por um dirigente negro: Sebastião Arcanjo, também conhecido como Tiãozinho. “O futebol representa, do ponto de vista das direções, ou dos espaços de tomadas de decisão nos clubes, essa distorção que perpassa todos os níveis da sociedade. O negro, no futebol, não conseguiu sair das quatro linhas”, resume o mandatário do time de Campinas (SP).
NBA e WTA de Cincinnati
Em uma atitude inédita na história da NBA, a equipe do Milwaukee Bucks não entrou em quadra no dia 26 de agosto, uma quarta-feira, em protesto contra o racismo e a violência policial. O time enfrentaria o Orlando Magic em uma partida de playoff (jogos finais). O episódio ocorreu três dias após o norte-americano negro Jacob Blake, de 29 anos, ser baleado por policiais com quatro tiros nas costas, em Wisconsin. Diante da atitude do Bucks, a NBA suspendeu as três partidas programadas para aquela noite.
Após o protesto na NBA, a japonesa Naomi Osaka desistiu de disputar a semifinal do WTA de Cincinnati (Estados Unidos).. Em uma mensagem publicada no Twitter na madrugada do dia 27 de agosto, a terceira melhor tenista do mundo justificou o boicote: “Antes de ser uma atleta, sou uma mulher negra”. Horas mais tarde, os organizadores do torneio desmarcaram as partidas agendadas para aquela quinta-feira em solidariedade à luta contra a desigualdade racial e injustiça social.
Campeonato Francês e Liga do Campeões
Neste ano, o atacante brasileiro Neymar, camisa 10 do Paris Saint-Germain (PSG), ao vivenciar duas duas situações de racismo em campo, também não ficou calado. A primeira delas ocorreu em setembro, durante uma partida do PSG contra o Olympique de Marseille, pelo Campeonato Francês O brasileiro acusou o zagueiro Álvaro González de injúria racista. No decorrer do jogo, Neymar chegou a falar com o quarto árbitro, pedindo “Racismo não”. O camisa 10 acabou acabou sendo expulso de campo, ao desferir um tapa na cabeça de González, defensor do Olympique. Após a partida, Neymar revelou nas redes socias disse ter sido chamado de “macaco filho da p…” pelo zagueiro.
Mais recentemente, no início deste mês, o confronto entre PSG (França) e Istanbul Basaksehir (Turquia) pela Liga dos Campeões foi suspenso, 13 minutos após o início do duelo, devido a um episódio de racismo envolvendo a arbitragem. O embate foi interrompido após o time turco acusar o quarto árbitro, o romeno Sebatian Coltescu, de ter usado um termo racista para se referir ao camaronês Pierre Webo, auxiliar técnico do Basaksehir.
Neymar e o francês Mbappé argumentaram com o juiz Ovidiu Hategam, também romeno, que seria melhor Costescu deixar o campo para que o jogo prosseguisse, mas a discussão foi em vão. Os jogadores de ambos os times resolveram então deixar o gramado e não retornaram mais. A partida acabou suspensa pela Uefa. E mais uma vez, depois do ocorrido, Neymar se manifestou no Instagram :postou uma imagem em preto e branco e escreveu: Black Lives Matter (Vidas Negras Importam).
Horas após o confronto, imagens de TV mostraram o quarto árbitro Coltescu dizendo em romeno: “O negro ali. Vá e verifique quem ele é. O negro ali, não dá para agir assim”, depois que Webo protestou veementemente contra a decisão da arbitragem.
Campeonato Brasileiro
No último dia 20, no Maracanã, o Flamengo derrotou o Bahia, por 4 a 3, após duas viradas de placar, em jogo válido pela 26ª rodada da Série A do Brasileirão. Mas a alegria da vitória rubro-negra, pra lá de emocionante, acabou ofuscada após o meia Gerson revelar ter sido vítima de racismo. Ao ser entrevistado ao final da partida, o meia acusou o jogador colombiano Índio Ramírez de injúria racista e criticou o comportamento do técnico Mano Menezes.
“O Bruno Henrique fingiu que ia chutar e ele [Ramírez] reclamou com o Bruno. Fui falar com ele e ele falou bem assim pra mim: ‘cala a boca, negro’. Eu nunca falei nada disso, porque eu nunca sofri, mas isso eu não aceito. Nunca falei de treinador, mas o Mano precisa saber respeitar. Estou vindo falar aqui em meio de todos os negros que existem no Brasil”, desabafou Gerson, visivelmente irritado.
Menos de duas horas após a partida, Mano foi demitido do Esquadrão de Aço. A Polícia Civil do Rio de Janeiro abriu inquérito para investigar o caso. Pelo Instagram, ainda na noite do jogo, Gerson voltou a se manifestar de forma contundente: “Racismo é crime. E deve ser tratado desta maneira em todos os ambientes, inclusive no futebol”.
Edição: Cláudia Soares Rodrigues