Redação do Enem não é nenhum bicho de sete cabeças…

Faltando poucos dias para a prova de redação do Enem – Exame Nacional do Ensino Médio [neste sábado, 5], evidencia-se clara ansiedade dos estudantes sobre o tema. É uma etapa tradicional de grande desafio. Afinal, nem todos conseguem fluir o potencial de raciocínio em palavras escritas. Ou, se conseguem [à parte de concursos distintos], ficam literalmente travados nos testes oficiais.

A redação do Enem já cunhou fama de monstro ardiloso. Analisando por esse prisma, há bloqueios previsíveis dos alunos a partir do tiro de largada da prova, quando o relógio transforma-se num detonador implacável.

Após clicks clicks repetitivos, com giro irreversível dos ponteiros, frágeis indutores de traumas desconhecidos, advém franco temor de que o monitor(a) anuncie impessoalmente o fim da prova. Dali, em rapidez sincronizada, passa a recolher a tralha branca de celulose disposta nas mesinhas, sem expor o menor sentimento de solidariedade a quem sente ter perdido importante oportunidade de graduação superior.

Mas vamos falar sobre temas…

É provável que as apostas de professores e experts em concursos gerais acertem o tema, centralizando o meio ambiente como um dos mais prováveis. Compete com outros em destaque na atualidade, a exemplo das guerras em curso, inteligência artificial, saúde, educação, indígenas, segurança pública, etc…

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O mais importante, em si, para alcançar uma excelente pontuação, não recai necessariamente no tema da redação, alertam técnicos pedagógicos. Os alunos precisam estar antenados na condução harmônica da estrutura do texto. É quase a primária forma redacional que aprendemos desde cedo: início, meio e fim.

Se você vai falar do meio ambiente, remonte à situação antiga, atualizando-se com base nos acontecimentos que desarmonizam e abalam drasticamente o sistema. Daí fica fácil preconizar como será o futuro ambiental, sem se situar como opinativo direto. Assim, a divisória do texto abrange três etapas: passado, presente e futuro.

Naturalmente, nem todo mundo precisa seguir tal cartilha…

Não cabe também nenhum tipo de extravio, ou desatenção, quando a caneta estiver trabalhando. Torna-se imprescindível manter segura linha de contextualização, para que o foco do texto não destoe no propósito de encampar nitidez.

Melhor explicando, proporcionar clareza de entendimento salutar é um dos caminhos recomendados na concepção de qualquer texto.

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UM BOM TEXTO discorre visualmente sem esforço algum, sendo compreendido na sua essência básica logo nas primeiras linhas. É quase um lead jornalístico, que condensa informações precisas no cabeçalho (pirâmide invertida), capazes de extirpar, sem prejuízo, alguns parágrafos sequenciais.

Isso, lógico, não é indutivo normativo numa redação do Enem, podendo ser alterado a bel prazer.

Só é recomendável que os alunos atentem para as informações contidas na prova, acrescidas de textos de apoio. Por aí podem elaborar uma redação com maior segurança.

Atenção às dicas das próprias questões:

Quem se submete a concursos seguidos, já percebeu que há rotatividade entre perguntas e respostas. Muitas respondem a questões próximas. Dicas idênticas se acoplam na redação do Enem nos quesitos instrutivos.

Na verdade, uma redação não comporta nenhum bicho de sete cabeças. Por vezes, a simplicidade estrutural do texto, imbuído de uma narrativa de teor sereno, é o chamativo mais imperioso para se enquadrar na qualidade exigida pelo Enem.

Experiência de um quase Enem…

Recordo, por sinal, de uma redação que fiz quando me candidatei a concurso do Banco Mercantil de São Paulo, em 79. Ao receber a prova e as devidas instruções do quesito redação, fiquei arrepiado: tudo muito complexo para o meu simplório entendimento!

Li e reli o arsenal de normativas apalermado, sem entender patavinas. Aquilo tudo acarretou crescente agoniza expressa. Logo eu, que pensava saber escrever…

Ao observar os demais candidatos, bateu inveja: estavam a pleno na concepção dos textos! E eu ali, totalmente perdido, sem desovar nada, de cabeça quente. Essa barreira impôs desaprovação prévia no concurso, imaginei.

Percebendo meu nervosismo, a monitora veio conversar delicadamente. Explicou que poderia seguir a cartilha instrutiva, ou não. “Vai depender de você”, disse.

Então, pelo que entendi, poderia escrever sem me atrelar às diretrizes expostas no cabeçalho da prova de redação.

De todas as regras elencadas, apenas uma entendi claramente: texto dissertativo. Poderia dar vazão à imaginação, desalinhando fragmentos mentais e os expondo da maneira mais clara possível.

FUNCIONOU!

Nem sei exatamente qual foi a primeira frase que deu sequência a mais parágrafos, todos de fácil composição. Meu cérebro destravou fácil, e ansiava por terminar uma frase para iniciar a próxima. Que inspiração divina! Só tinha dúvidas em relação à qualidade…

Terminei minha redação antes mesmo dos demais candidatos, entregando-a meio desconfiado. Pelo menos, tinha tentado o emprego de bancário…

Também me submeti a demoradas provas de psicotécnico nos dias seguintes, interpretando figuras pra lá de esquisitas. Muitas pareciam bichos, alienígenas.

As psicólogas foram enfáticas ao entregar as provas: “É importante dizer o que veem nesses desenhos…”

Achei graça de alguns, enquanto outros me pareceram estranhamente fúnebres. Lembravam cerimônias egípcias…

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DIAS APÓS, fui chamado no Departamento de Recursos Humanos do Banco, sediada na matriz da Avenida Paulista. Dirigi-me ao DRH sem a menor esperança, ciente de que tinha sido reprovado. Afinal, aquela redação me alquebrou as ideias. Porém, o papel não ficou em branco: se o queriam todo letrado, assim deixei!

Duas psicólogas me convidaram para acompanhá-las até uma sala, onde quiseram saber mais sobre minha pessoa. Intrigado, forneci as informações requisitadas.

Por fim, comentei ter sido um prazer conhecê-las, agradecendo pela oportunidade do concurso. Devia estar com expressão de idiota que pede bênção a todo mundo.  Comentei a título de desculpa/despedida:

“Foi uma boa experiência. Prometo que, na próxima, estudarei mais…”

As moças sorriram de maneira cúmplice, antes de dizer:

– Você foi aprovado, meu rapaz! Parabéns!

– Eu?! Têm certeza disso? – questionei.

Notei que uma delas segurava a prova psicotécnica. Pelos rabiscos laterais, sabia ser minha.

– Suas notas nos surpreenderam. Avaliamos que seu QI é altíssimo, próximo da genialidade. Sua redação, então, foi maravilhosa!

Cada vez mais, eu entendia menos…

Sinceramente, não sei onde elas acharam a tal genialidade, pois sempre me considerei um nada-sabe intelectual. Acho engraçado quando alguém elogia minha pretensa inteligência. Uma informação que não credito valor algum.

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ATUEI no Banco Mercantil de São Paulo por algum tempo, no Departamento de Microfilmagem, apesar de ter sido aprovado para caixa. Optei pela microfilmagem por um motivo óbvio: tapado em matemática, receei cometer lapsos contábeis e ser obrigado a arcar com os prejuízos do banco.

Saí desse emprego para regressar a Montes Claros, onde trabalhei em jornais e, posteriormente, na TV Montes Claros.

Só nunca esqueci aquela sofrida prova de redação em SP…

Por João Carlos de Queiroz, jornalista

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