Quando a morte se torna vida elevada…

A eternidade da alma é fartamente conhecida nos meios religiosos, pois o corpo nada mais é do que simples invólucro passageiro; roupa de desgaste progressivo e descarte final, a certo momento do tempo...
Por João Carlos de Queiroz – Perdemos, no último sábado, a convivência com o colega “Chico do Som”, o emblemático Francisco Clarindo da Costa, responsável pela organização de acústica perfeita quando da realização de audiências e outros eventos na Câmara Municipal. Por anos, todos testemunharam o empenho profissional e as qualidades humanas do servidor Chico. Tornou-se figura integrada ao cotidiano de discussões do Parlamento, pois suas mãos {e cérebro} comandaram a regulagem de sons diversos, de nitidez elogiosa. Sons que transmitiram decisões ao encontro das expectativas parlamentares em Plenário e de milhares de munícipes, postados nos galerias do Parlamento.
Foto Secom
Lágrimas comprensíveis de amigos e familiares rolaram no anúncio dessa perda e, com certeza, ainda vão se transformar em cascata angustiosa por bom período. É um comportamento normal de qualquer ser humano; ninguém quer ser privado do convívio amoroso das pessoas à sua volta. Porém, ao contrário do que muitos imaginam, a morte física não significa, necessariamente, a interrupção drástica da existência de alguém. Isso traz, eventualmente, certo conforto aos que sofrem com a perda de entes queridos.
Exemplos disso acontecem todos os dias, ainda que poucos percebam. Basta prestar atenção em alguns detalhes, e aí, sim, teremos prova cabal de que as nossas existências têm, a princípio, importante fundamento missionário. Passagem célere, capaz de diluir-se sem prévio aviso, pois a impetuosidade do chamamento divino está bem além das regras mundanas e da própria compreensão dos seres que vivem no Planeta.
Recordo que, aos meus sete anos de idade, tive imprevisível parada cardíaca ao ser submetido a uma delicada cirurgia para retirada das amígdalas. Nunca entendi como fui parar no teto da sala cirúrgica, dali observando o desespero dos médicos para tentar restabelecer o compasso cardíaco. Enquanto recebia cargas elétricas no peito, outros clínicos me agulharam em partes distintas do corpo. Meu pai, no corredor, foi informado do que sucedia, e saiu correndo direto para o quarto, sem saber que eu o acompanhava de perto. Minha mãe levou as mãos à cabeça em pranto incontido, e eu sempre ali, observando tudo quietamente, sem entender o porquê de tanta dor…
Subitamente, percebi que estava numa espécie de corredor extenso, atraído por uma estranha luz ofuscante, ao fundo. E flutuei feliz rumo à luz, ela era tudo que desejava acalentar naquele instante. Figuras se moviam afoitas do lado de fora desse corredor, tentando entrar. Mas não conseguiam, e tampouco era possível distinguir suas fisionomias. E sem que entendesse mais nada, minha trajetória foi interrompida e já acordei no quarto, pela manhã. Os médicos ficaram boquiabertos quando descrevi detalhes da intervenção em que “morri” e “ressuscitei”. Meu coração deixou de bater por minutos…
Também minha saudosa avó, Marianna Alves dos Santos, inconformada com o suicídio do filho caçula, Garibaldi, chorava dia e noite. Eis que teve um sonho ou alucinação, algo impreciso, ela mesma dizia. Garibaldi, conforme sua descrição, parecia estar se afogando, e seus braços submergiam e emergiam pedindo socorro. – Garibaldiiiii! – gritou minha avó. E ele respondeu: – Pare de chorar, minha mãe: suas lágrimas estão me sufocando, não deixam que tenha paz!
Minha avó costumava relembrar esse episódio emocionada. Garantiu que, a partir daí, nunca mais derramou lágrimas por Garibaldi…
É por situações assim que devemos pensar de forma sublime sobre tudo que diz respeito à existência humana, jamais recriminando as decisões do Criador. Seria inútil virmos ao mundo apenas para, depois, baixar a uma sepultura e ter o lacre dessa passagem inutilizado para todo o sempre. Há um propósito maior nisso tudo, é a crença maior que devemos acatar. A sabedoria do Paí transpõe limitações entre a vida e a morte, e consegue estabelecer paralelo harmônico de luz entre ambos.
Assim, ao subir doravante à galeria do Plenário da Casa de Leis da capital, sei que não cruzarei mais com a figura reservada do amigo “Chico do Som”. No entanto, apesar de não vê-lo, tenho já convicta certeza de que, em algum lugar privilegiado e à parte das mazelas terrestres, ele estará sempre a postos para monitorar o som dos corações com os quais confraternizou por anos seguidos. E o mais importante: ladeado por anjos do bem, conforme foi sua retórica existencial enquanto no desempenho de sua vida comum, ora compartilhada por todos os que aqui ainda se encontram e nem têm ideia de quais projetos Deus reservou para cada um…
Fotos: Secom/Brunna Maria