Redação Site – Depois do temporal do último sábado (27), responsável por inundações em várias regiões de Cuiabá, muitas famílias ainda tentam refazer sua rotina, reconstruir casas e reaver seus pertences. Nem todas conseguiram. Nem todas têm alternativas sobressalentes. Na Rua Cel. Benedito Leite, região do Porto, única moradia da pensionista Orene Gusmão de Oliveira, paredes vieram abaixo e as águas invasoras soterraram todos os pertences pessoais e móveis. Por pouco, a própria idosa não se torna mais uma vítima fatal de tragédias semelhantes: cadeirante e sem condições de sair da casa, ela foi encontrada quase submersa pelos bombeiros. Já seus três cães e um gato, igualmente colhidos de supresa, não tiveram a mesma sorte, “rodando” rumo à morte…
A trágica ocorrência mudou completamente a rotina não convencional de dona Orene Gusmão, que agora sonha em receber uma casa do Governo do Estado ou mesmo da Prefeitura de Cuiabá. O prefeito Emanuel Pinheiro já esteve no local para sondar a gravidade a situação. Prometeu que providências seriam ultimadas emergencialmente para recompor os estragos causados pela tempestade e liberar o tráfego na área. Mas dona Orene quer saber mesmo é se irá ser agraciada com um novo teto para morar, após a Defesa Civil ter condenado seu antigo endereço, ora envolto num lamaçal fétido e motivo da curiosidade geral de quem passa nas imediações.
“É muito triste saber que, de repente, perdemos tudo. Nem saúde tenho mais; faço hemodiálise três vezes por semana, e mal consigo me movimentar nessa cadeira de rodas. Os médicos até recomendam uma cadeira inclinável, a fim de aliviar as fortes dores nas costas. Isso nem é tão importante agora, quando penso que perdi minha casa, lugar onde vivi mais de 40 anos, herança da minha mãe, a saudosa Joana Gusmão de Almeida”, diz ela.
O site www.veiculosdahora.com.br conversou longamente com a cadeirante na casa do pescador Antônio de Barros, 58 anos, morador à Rua Cel. Neto, situada uma quadra acima, em frente ao número 946. Mesmo humilde, sem condições financeiras, Barros abrigou dona Orene e sua filha Ediléia Gusmão de Oliveira, 37, que cuida da mãe cadeirante. Barros também enfrenta alguns problemas de saúde, locomovendo-se com certa dificuldade. “O ácido úrico está acabando com meus pés”, diz desolado. Ao ser questionado sobre o porquê de ter abrigado a cadeirante e a filha, ele afirma convicto que nem pensou duas vezes. “Agi instintivamente, movido pelo impulso do coração. E não me arrependo. Abriguei dois irmãos”.
O mais incrível: a idosa ainda consegue a proeza de abrir um sorriso de franca felicidade ao receber as pessoas que se compadecem do seu drama…
Dona Orene e Ediléia agora dividem uma cama de casal desde o último dia 27, juntamente com outro sem-teto: o papagaio da família. Este pôde ser resgatado a tempo numa gaiola. O quarto de dona Orene é escuro e o todo do ambiente bem simplório, tentativa acolhedora. Escudeiros atentos, dois cães malhados do pescador mantêm plantão espontâneo debaixo do leito da cadeirante, e demonstram que estão ali para protegê-la. O olhar inquieto dos animais sinaliza que não desejam que nada mais de ruim aconteça à boa senhora. E foi assim que acompanharam a cadeira à calçada frontal à casa, prostrando-se determinados ao lado do corpinho esquálido da idosa, sempre agradecida:
“Se hoje nem casa tenho para morar, pelo menos tenho esses amigos cães e os amigos humanos, que me acolheram tão carinhosamente. O gesto de apoio do “seo” Antônio de Barros (pescador) jamais será esquecido. Ele poderia ter dito “não”, cruzado os braços diante dos nossos problemas. Mas fez justamente o contrário: abriu os braços e as portas de sua casa, do seu coração gigante. Difícil retribuir à altura tudo isso…” – externou emocionada. E logo voltou a sorrir…
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Apesar de os órgãos governamentais sempre salientarem que a responsabilidade de reconstrução das casas e/ou aquisição de uma outra (em casos semelhantes) “é de responsabilidade dos moradores”, sob alegação de propriedade particular, o presente caso de dona Orene tem diferenciais que exigem providências urgentes e à parte da frieza normativa das instituições oficiais. Basta percorrer Cuiabá e veremos milhares de imóveis de condomínios governamentais em estado de visível abandono, cobertos de mato. Enquanto isso, famílias residem nas ruas, debaixo de viadutos. Convenhamos que não é justo…
Dona Orene trabalhou durante anos no Balneário do Sesc e acrescentou que confia em Deus e na sensibilidade providencial dos governantes {prefeito Emanuel Pinheiro/governador Pedro Taques} para receber uma outra casa para morar. “A Defesa Civil já condenou a nossa, que quase nem existe mais. Dela, sobraram poucas paredes e aquele terreno alagado, esgoto puro. Então, fico grata pelo imóvel que acaso disponibilizarem, estou precisando muito. E também agradeço a hospitalidade gentil do amigo Barros; só não queremos incomodar mais, tirar a sua privacidade. Mesmo porque minha rotina diária de saúde é complicada. Os reflexos da hemodiálise são impiedosos… Enfim, gostaria de deixar algo para minha filha, quando partir…”
Texto João Carlos de Queiroz Fotos: Jane Aparecida da Silva