Fins de semana ensolarados representam tentador convite a programas diferentes, principalmente aqueles que ofereçam algum deleite banhista. Nada como refrescar o corpo em águas cálidas de piscinas, ou remar aleatoriamente por lagos mansos.
Eu experimentei isso desde criança, quando minha mãe nos levava ao Pentáurea Clube. Íamos a bordo de um confortável sedã Ford vermelho, propriedade de amigo do meu pai.
Difícil esquecer o ronco cadenciado do motor seis cilindros [hoje eu sei disso] vencendo rampas e mais rampas na estradinha de acesso ao clube, anexa à BR-135.
Parece que vejo um filminho rodando célere pela minha cabeça ao recordar dos cuidados do motorista ao conduzir o carro durante esse trajeto, então cascalhado.
Volta e meia, ele ajustava uma melodia no rádio, dissipando chiados ocasionais.
Ainda não sei qual acorde era mais afinado: da eventual música do rádio ou da cadência do motorzão melodioso.
Menos de 15 minutos de percurso, lá estava o clube e a lagoa recepcionando seus visitantes. Difícil não pularmos feito macacos nas poltronas macias do macio sedã…
Por ser pequeno, minha mãe não permitia que eu zanzasse pelo clube, e assim ficava sempre pertinho dela. Já meu irmão mais velho, esse sumia de vista…
– Zé Antônio! Oh, Zé Antônio?! Cadê você? – gritava ela. Só silêncio.
Mais perspicaz nesse sentido, meu pai berrava ameaçador:
– Se não aparecer, já sabe: o cinto vai entrar em ação!
Mal falava isso, o mano aparecia magicamente num dos cantos da área frontal, dizendo que tinha escutado os chamados e estava a caminho.
Logicamente – hoje também entendo -, era mentira deslavada. Daí o sorriso divertido dos meus pais…
Já nos anos 70, dispersos do controle dos pais, passamos a frequentar o clube aos domingos, dia de maior movimentação. Os primos nos acompanhavam.
Chegávamos cedo, nadando e nadando o tempo todo, ou remando incansavelmente pela lagoa. Os primos também aproveitavam para jogar futebol de areia.
O problema maior se constituía na penúria financeira da turma, sem dinheiro para almoçar. Difícil aquietar a impaciência do estômago ao sentir apetitoso aroma de comida fresca.
Nem sei exatamente como, Zé Brotinho fez amizade com um dos garçons, e ele passou a nos fornecer gratuitamente um tal de “barranco”.
Explico: resto de comida das mesas. Não dos pratos, mas das vasilhas.
Para que entendam melhor, muitos restaurantes recolhem os vasilhames repletos de pedaços de frango, arroz, feijão, verdura, etc. Comida limpa, que supriu nossos estômagos atormentados nem sei quantas vezes…
Ainda hoje, escutando Martinho da Vila, cujas músicas ecoavam repetidamente na hora do almoço, vem à mente o lauto “barranco” que filávamos no simpático clube. Aquele feijão tropeiro é inesquecível…
Mesmo não recordando o nome do anjo que nos auxiliou tanto nessa época, externo aqui a minha gratidão eterna ao seu piedoso gesto; a fome tem pressa.
Também curtíamos por lá, todos os anos, a famosa Festa Junina de São Pedro, e foram muitas bebedeiras à base de quentão e cerveja.
Numa delas, misturei quentão com batida de vodka e fui dançar com uma moça que conhecera ali, Ione Natalícia Meira. Menina carismática, cabelos pretíssimos, encaracolados. Linda!
De repente, senti tudo girar, advindo sensação inequívoca de vômito.
Larguei Ione no salão e saí correndo rumo à retaguarda do prédio principal, onde despejei mistura indigesta de líquido alcoólico.
Estava lavando a boca na torneira, totalmente zonzo, quando senti uma mãozinha delicada apoiada no meu ombro.
– Está melhor agora? – perguntou.
Era Ione, que vergonha! Vomitei na frente dela!
Sem graça, disse que iria tirar um cochilo no carro, e voltaria logo.
– Sem problema. Aguardo você no salão de dança.
Fui cambaleando para o fusquinha 78, do mano Zé, e, acomodado na poltrona, fechei os olhos para tentar dissipar a sensação de que tudo rodava. Inútil…
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O canto da passarinhada, somando-se ao frio do amanhecer, conseguiram me acordar aos primeiros raios solares. No relógio, 6h30…
Percebi que quase todos os carros à minha volta simplesmente sumiram. No lugar deles, havia apenas rala grama úmida, assolada por cerração do frio junino.
“Ione Natalícia Meira”. Esse nome estatelou feito chicote no meu cérebro, ainda sob os efeitos do torpor cachaceiro.
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Saímos do clube depois de meio-dia, quando o sol substituiu a madrugada friorenta.
Interiormente, senti um vazio de tristeza imensa, permitindo que a imagem carismática de Ione tamborilasse à vontade no meu íntimo.
Nem tinha ideia do paradeiro daquela garota…
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De outra feita, meu mano Zé, também bêbado, atropelou um rapaz ao sair do clube. Nem parou para socorrê-lo, acelerando forte o fusquinha, rampa acima.
– Pare, Zé! Vamos socorrê-lo! – intimei. Não obedeceu.
Mais acima, ele entrou numa estradinha vicinal e escondeu o fusca.
– Vamos voltar ao clube pra ver se o homem está vivo…
Desci angustiado, temendo encontrar defunto e polícia.
Fomos informados de que o rapaz sofreu lesão apenas numa perna, mas estava bem.
– Eu vi quando o carro o atropelou: um fusca marrom, de rodas largas – respondeu o esperto mano.
– Ele deve estar longe, agora… – acrescentou.
O mano ainda saiu rindo da ingenuidade de quem acreditou naquelas informações deslavadamente cínicas [seu fusca era branco, rodas originais].
FAZ DEZENAS de anos que não retorno a esse saudoso clube. Sempre que passo nas proximidades, subindo a serrinha cortada pela BR-135 [e que possibilita longínquo alcance visual do balneário], retrocedo aos tempinhos em que curti horas inesquecíveis por lá.
A grande lição é: nunca deixe de aproveitar o presente. Viva-o intensamente. Realize seus projetos mais ambiciosos, ou pelo menos tente isso.
O maior arrependimento das pessoas, em futuro improvável, pode ser por não terem tentado algo que desejavam ardentemente.
Por João Carlos de Queiroz, jornalista