Odontólogo respeitado em Cuiabá, Dr. Xavier lembra os duros tempos de plantador de banana…

EDEMIR XAVIER É UM DOS DENTISTAS MAIS RESPEITADOS DE CUIABÁ. MAS SUA HISTÓRIA DE VIDA REGISTRA LUTA PARA CONSEGUIR O TÃO SONHADO POSTO UNIVERSITÁRIO. LUTA QUE ENVOLVEU TRABALHO DURO NO CAMPO, NA REGIÃO DE BAUXI, MUNICÍPIO DE ROSÁRIO OESTE-MT.

O cenário é simples, porém real: um sítio modesto, enraizado no interior mato-grossense, tocado por uma família numerosa. Todos unidos por inabalável fé em Deus e, também, na concepção dos frutos decorrentes do trabalho duro na terra. Assim a prole dos Xavier vingou e foi em busca dos troféus que a vida oferta aos que acreditam no próprio potencial.

“Vai buscar água no rio, Edemir! Aproveite pra trazer um pouco de lenha seca. Seu pai [Ivo Xavier] já cortou; está tudo estocado perto do chiqueiro!” – dizia a matriarca Aline Francisca Xavier [“dona Fia”] ao então magricela adolescente Xavier.

E lá ia ele, em passos ágeis, cumprir a missão dada. Garoto esperto, atento a tudo, sempre assistiu a mãe no comando do lar. As idas e vindas do esforçado menino Xavier ao rio, carregando pesados baldes d’água, são incontáveis…

Transcorridos décadas, tais lembranças surgem com impacto saudosista na mente de quem vê o passado desfilar como um dos melhores períodos de sua labuta na Terra. Torna-se palpável o quanto foi feliz na rusticidade do campo.

Em síntese: Edemir Xavier assistiu sua infância/adolescência transcorrer simploriamente na região rural de Bauxi, município de Rosário Oeste. Cada detalhe desse ontem majestoso insiste em ser reavivado pela mente; trata-se de filme de repetição incansável.

“Recordo de cada pôr do sol e, também, das deliciosas prosas com café e biscoitos amanteigados, na soleira da porta do sítio. Ficávamos fascinados pelo tom ruborizado da luz solar no horizonte, até que, finalmente, vinha o domínio da escuridão noturna. Aí, sim, tinha início o espetáculo único da natureza, alquebrando o silêncio noturno; hora de a orquestra sinfônica invisível – dos habitantes da mata – entrar em ação…”

Nessa época, ele já sonhava em ser dentista, tratar gratuitamente dos humildes, sem condições financeiras de bancar tratamento particular. “Vi muito isso em Bauxi: pessoas necessitando de assistência odontológica urgente”.

Independente de estar atuando no setor odontológico há décadas, o trabalho árduo de Dr. Xavier, na pequena propriedade familiar, continua até hoje, só que restrito a dias alternados da semana. Durante os demais, o odontólogo atende no consultório, localizado tradicionalmente no bairro Mané Pinto {Cuiabá}. É também onde reside num cômodo simples, sua característica mundana.

“Jamais vou me mudar do Mané Pinto, pois é reduto de amizades preciosas. Cheguei a presidir a Associação de Moradores do bairro. Minha luta pela comunidade é permanentemente plantonista”.

 

Arquivo Pessoal

Dr. Xavier conta que a vida de plantador de banana, a despeito das compensações pessoais, não é nada fácil, com atribulações que se tornam desafios constantes. Isso porque, por várias vezes, ele trabalhou debaixo de sol, frio e até chuva.

Transportar a fruta à Feira do Porto, em Cuiabá, é outro dilema enfrentado cotidianamente pelos pequenos produtores rurais.

“É preciso cuidar bem de toda a plantação, para que o cultivo seja esplendoroso, do jeito que você e outras pessoas apreciam. Temos de estar 100% atentos, a fim de banir pragas da lavoura. Mas eu trabalho é por prazer, e tiro de letra tais problemas”, comemora.

ONÇAS E COBRAS

Os pés de banana do sítio do dentista se espalham por área imensa, habitada por cobras peçonhentas e onças. No alto da serra, uma capelinha, construída por Dr. Xavier, abençoa todo o vale.

Ao acompanhá-lo pela longa trilha, vislumbramos pegadas de onça por todos os lados, além de barulhos típicos de chocalhos de cascavéis em vigília defensiva. Os bichos avisavam que estávamos invadindo seu território…

“Você precisa aprender a conviver com esses animais. Na verdade, nós é que somos intrusos na casa deles, que é a mata nativa. Devemos respeitá-los: só atacam para se defender. Se deixá-los quietos, não farão mal nenhum”.

Tanto Dr. Xavier confia nisso que costumava até armar rede para dormir na varada da casa do sítio, quando o calor noturno extrapolava os limites do suportável. Tempos em que o sítio nem tinha energia elétrica.

“Eu dormia tranquilo na varanda, sem medo de onça ou cobra. Só parei depois que escutei alguém me chamar repetidamente da mata, por várias vezes. Era assombração! Meu corpo arrepiou por inteiro, na hora”.

Dona Fia conta que casos de assombração são comuns nas imediações. Relatou, inclusive, que o falecido esposo [Ivo Xavier] apareceu do nada no terreiro da casa, dirigindo-se rumo ao rio.

“Eu o acompanhei preocupada, visto que era quase noite, e não entendia o motivo de ele estar se dirigindo ao rio. Ao chegar perto da margem, Ivo simplesmente desapareceu. Meu corpo arrepiou por inteiro”, relata.

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Ainda em Bauxi, parentes de Dr. Xavier mantêm propriedades próximas, igualmente modestas, com cultivo de hortaliças e criação de pequenos animais.

Dona Fia não arreda pé de sua casa campestre, e cuida de tudo zelosamente. Apesar da idade avançada, ela curte a vida simplória do campo de forma otimista, visualizando felicidade a cada amanhecer. Os filhos a mimam ininterruptamente.

“Minha mãe é uma pessoa maravilhosa, altamente positiva em tudo que faz e pensa. Tem admiração de todos os parentes e da vizinhança. E está sempre pronta a ajudar quem quer que seja, de maneira espontânea, dedicada. Creio que pensa na vida como uma jornada intensivamente infinita, sem pausa para nova etapa divina. A idade, para dona Fia, não é nenhum incômodo para se sentir realizada e feliz”, analisa o filho dentista.

 

Odontomóvel no Ribeirão do Lipa

Em síntese, foi através da produção de banana que o sitiante Edemir Xavier conseguiu sua cobiçada graduação universitária.

“Produzia e vendia banana na Feira do Porto, nos finais de semana, em Cuiabá. Cada banana comercializada teve importante parcela de contribuição para que pudesse me formar em odontologia. Respeito, portanto, muitíssimo, o trabalho do pequeno produtor rural. Na prática, sei o quanto isso é difícil”.

Melancolicamente, ele cita ter sido discriminado na faculdade por ser procedente do sítio. “Os colegas não diziam isso, mas a gente percebe claramente ser um estranho no ninho. Fui avante por acreditar em mim próprio, não na análise crítica de pessoas despreparadas para conviver com seus semelhantes”.

 

Interior do Odontomóvel

Também formadas em Odontologia pela UNIVAG, suas filhas Gabriela e Bianca Xavier já oficializaram disposição de contribuir com esse projeto social do pai.

Odontólogas Gabriela (e) e Bianca Xavier posam com os pais Márcia e Edemir Xavier – Arquivo Pessoal

Dr. Xavier com a filha odontóloga Bianca

“Antes, quando não éramos formadas, presenciamos dificuldades para que ele pudesse atender da forma desejada, pois é preciso mais de um dentista quando o projeto está em andamento em alguma comunidade. Neto e outros odontólogos sempre contribuíram, e agora meu pai pode também contar conosco integralmente”, disse Bianca.

Por João Carlos de Queiroz, jornalista Mtb 381.18

 

 

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