O trem que perdi não ia a nenhum lugar…

Há muitas décadas, lá estava eu numa velha estação ferroviária no interior de Minas Gerais. Escutava extasiado o cadenciado matraquear de rodas de aço atritando trilhos. Lá vinha o trem...

Por João Carlos de Queiroz – Nos bons tempos em que sonhava acordado, época de boas viagens com a imaginação, escutei certa noite a marcha determinada de uma composição ferroviária a caminho da estação em que descansava placidamente meu corpo então jovem. Lá vinha o trem!

Desgarrei-me rápido da cômoda posição de preguiça relaxante, passando a perscrutar a origem daquele som ritmado e inegavelmente propício a devaneios viajantes. Vinha pelo lado direito, deduzi, e a julgar pela consistência intermitente do gradual mastigado voraz das rodas de aço nos trilhos, devia estar a minutos dali.

Mochila acoplada às costas, aguardei atentamente o desdobrar evolutivo daqueles sons metálicos, cada vez mais próximos. Minhas retinas fixaram atenção especial à longa curva próxima dali, certamente cenário de breve aparição da “cara” vermelha da robusta locomotiva. Havia poucas de cor azul no Brasil, apesar de a mais famosa composição de MG se chamar Trem Azul.

Uma longa buzina confirmou que a máquina puxa-vagões estava prestes a dar o ar da graça e conceder meu embarque. Suspirei mais fundo, expectativa de poder degustar a paisagem rural que logo deslizaria à parte das janelas de vidro grosso.

Eu sempre me divertia com isso, observando a inquietude bovina no ato da passagem do trote nada modesto do trem por paragens de verde liberto e pontes trançadas de ferro. Muitos animais saíam em disparada pelo pasto à simples visão do trem em trânsito, talvez imaginando algum ataque traiçoeiro por parte daquela centopeia gigantesca…

A estação continuava estranhamente quieta. Relancei rápido olhar às suas dependências, sem que nenhuma alma desse mundo surgisse no meu campo visual.  Pés firmes na plataforma, restava somente aguardar a chegada do trem e sair dali o mais rápido possível. Novo apito animador, agora ainda mais próximo…

Enquanto aguardava, ansioso pelo embarque, percebi também que um repentino silêncio veio sequenciar a barulhenta chegada da composição, sem que nenhum vulto maquinado sinalizasse sua presença concreta nos trilhos, como escutara há pouco. A cantoria de grilos substituiu todos os sons mecanizados de há pouco. Aquilo não podia acontecer! Ou, no mínimo, nem devia estar acontecendo…

Senti-me, então, meio perdido, pensamentos evasivos e sem a menor nitidez consciente, continuando a portar uma mochila sem qualquer utilidade prática. Aliás, nem sabia o motivo de ainda permanecer ali à espera de um trem fantasma, estático numa plataforma vazia e, pelo visto, sem uso há décadas.

O trem que tanto aguardava, hoje sei, jamais marchou por aqueles trilhos, traçado ferroviário que já não leva a lugar algum…