Quando a pessoa perde algum ente querido, é praxe, os demais parentes e amigos acorrem para tentar confortá-la. E assim viram dia e noite ao lado de corpos rígidos, auxiliando na recepção dos que chegam e, também, nos preparativos da alimentação, ritual comum no Brasil em longas vigílias funestas.
Particularmente, sempre achei esquisito alguém ter o mínimo apetite em tais ocasiões. Sinto náuseas só de lembrar alguns episódios envolvendo gastronomia em velórios.
Num deles, bastante inchada, a defunta, vítima de infarto, exalava forte odor carniceiro; resultado de veias estouradas. Isso espantou grande parte das pessoas presentes na sala, que optaram por manter distância.
Com uma situação tão delicada, o correto seria nem pensar em comida. Porém, para meu espanto, uma vizinha (da agora defunta) continuou a jantar tranquilamente ao lado da antiga amiga. Testemunhei-a mordiscando apetitosamente uma coxa de frango; inclusive, foi novamente à mesa próxima e repetiu o prato.
Pela janela, muitos a olhavam espantados, talvez imaginando que fosse fraca das ideias…
Em outro velório, um bando de bebuns chegou a colocar travessa com pizza em cima do peito do defunto, entornando latinhas e mais latinhas.
Não tardou para se juntar ao chororó coletivo uma cantoria animada, incluindo carinhos na face gelada e rígida do cadáver.
Também presenciei festiva despedida de um morto na Guarita, em Várzea Grande-MT. Antes mesmo de o corpo chegar, a festança corria solta, com bebidas e comilança desregrada…
Já com o caixão exposto na extensa varanda da casa, não tardou para sair animado forró, arrasta-pés que virou a noite inteira.
Fiquei na dúvida, no dia seguinte, quando o corpo deixou a casa rumo ao cemitério: o persistente choro dos integrantes do cortejo fúnebre era pelo defunto ou fim da festa?
DORMINDO COM A DEFUNTA
Em Cuiabá, faz bom tempo, presenciei um velório ainda mais estranho, em que o viúvo simplesmente encerrou a cerimônia para ir dormir. E disse em bom português aos que choramingavam a perda de dona Maria: “Podem ir pra casa, pessoal! Agora, eu vou dormir. Voltem amanhã cedo. O enterro está marcado para às 10h30″.
Feito isso, trancou a porta e apagou as luzes, enquanto a defunta continuou comportadamente quieta na sala.
Às 7h do dia seguinte, o viúvo, sem a mais leve expressão de abalo pelo luto súbito, abriu a porta e disse aos que aguardavam o reinício do velório:
– Entrem, fiquem à vontade. Vou tomar um banho rapidinho. Depois, faço um café e trago pra vocês”.
Por João Carlos de Queiroz, jornalista
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