O mais belo sorriso de uma caveira…

Imagine paquerar alguém do outro mundo sem saber, imagine! Pior: esse alguém, à primeira vista, parecia atraente, a ponto de o Dom Juan em questão utilizar todo o arsenal ardiloso de conquista-moça. Só que se deu mal...

Neto Marcondes ganhou fama de Casa Nova mineiro justamente pela facilidade com que conquistava donzelas em trânsito em Montes Claros-MG, meninas em sensual requebro natural, claramente insinuante. Nesse último caso, umas desfilavam em trajes domingueiros na Praça da Matriz, não economizando charme. Ali se tornou quartel-general do namorador.

Nesse roda-praça incessante, o esperto Neto Marcondes estudava qual presa iria atacar, interessando-se, sobretudo, pelas mais curvilíneas, morenas cor de jambo. O rapaz, ousadias conquistadoras à parte, tinha muito bom gosto feminino, isso ninguém discutia…

Espertamente, fingindo estar entretido em saborear algodão doce, o jeitoso mineiro destilava fel ardiloso quando uma das meninas passava na frente do seu banco predileto, situado na alameda das rosas amarelas. “Que doçura, meu Deus!”

Espertas, as garotas locais já sabiam que os comentários do malandro não se referiam à guloseima, mas a elas próprias. E se deixassem escapar leve sorriso, isso já significava que a laçada da noite vingara. Sem perda de tempo, ele se levantava e vinha em passos de puma para consumar o abate da presa do dia…

NUM domingo, contrariando suas expectativas, não rolou nenhum romance na Praça Doutor Chaves, apesar de muitas garotas terem circulado pelas alamedas e na calçada que circunda todo o logradouro público.

Não era, decididamente, um bom dia, lamentou o Dom Juan. Mas decidiu ficar até mais tarde, assuntando a fraca movimentação local, para o caso de surgir alguma beldade…

O guarda municipal estranhou que ele não tivesse ido embora, e dedicou esticado dedo de prosa em sua companhia. “Tome uns trocados aqui, meu amigo, para comprar algo na Padaria Globo. É a única que vai encontrar aberta ao sair do seu plantão, bem cedinho”, disse. O guarda aceitou, agradecendo a gentileza.

Devia ser pouco mais de meia-noite quando ele percebeu uma moça esguia andando do outro lado da praça. Pela sua movimentação ágil, devia ser atleta, ou bailarina. E como era alta!

Neto posicionou-se para dar bote preciso no momento em que aquele mulherão passasse na sua frente. Tudo indicava que ela rodaria a praça inteira. E assim aconteceu…

Para sua surpresa, a grandona chegou recatada, acomodando-se no mesmo banco. Mantinha o rosto encoberto por elegante véu, que combinava com vestido longo, aparentemente de festa, e sapatos pretos brilhantes. “Que elegância!”, pensou Neto.

– Noite fria, hoje… Se quiser, empresto meu casaco – ofereceu sorrindo. A estranha não respondeu uma sílaba, tampouco se mexeu.

Sem desanimar, ele achegou seu corpo para junto dela, mas a mulher fez o posto, afastando-se até se levantar.

– Desculpe, não queria incomodar você… – comentou baixo.

A desconhecida se manteve parada, ao invés de deixar o local, olhando em direção à igreja. Meio minuto depois, meio indecisa, saiu andando devagar, e volteou a cabeça por duas vezes.

O Dom Juan entendeu ser sinal positivo para ir em frente. E a acompanhou de perto, feliz da vida…

A mulher saiu da praça, atravessou a rua bem em frente ao Palácio do Bispo, e desceu rumo ao prédio antigo do Mobral, entrando rápido pela escada.  O Casa Nova veio atrás…

A princípio, deduziu que ela fosse encurtar caminho por ali, pois o prédio tinha saída para a rua de baixo. No entanto, ela entrou na cantina do Mobral, detendo-se perto do fogão a lenha.

Sem entender mais nada, o curioso paquerador aguardou alguma outra atitude dela; a mulher riscou vários fósforos, tentando atear fogo nas brasas adormecidas. Nem com papel o fogo pegava…

– Tem que assoprar forte! – não se conteve e falou. A mulher virou-se já sem véu, dizendo macabramente:

– Assoprar, como, se não tenho boca?! – disse e escancarou um sorriso de caveira, pronta para o terror.

Neto pôde ver então toda a fisionomia descarnada da sua pretensa paquera, após as toras estatelarem combustão repentina, iluminando a cantina inteira. As pernas fraquejaram na hora, momento em que sentiu as calças molhadas; mijão de puro pavor. Pela retaguarda do pipoca fezes, alívio!, tudo tranquilo, seco…

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Mesmo o guarda da praça, o simpático Zé, sentiu falta do paquerador nas semanas seguintes. A notícia que teve é que se mudara de Montes Claros para o interior norte-mineiro…

Por João Carlos de Queiroz, jornalista