Vai entender a cabeça de adolescentes que vagam insones pelas noites de cidades desertas. Fui um deles, recordo bem. Ia de jardim a jardim à procura das mais belas flores ali expostas, e, atrevido, cortava-as bem no caule, para que se tornassem prendas de perfume inebriante a musas cobiçadas nos quatro cantos da cidade.
Nesse peregrinar poético, bem ladrãozinho, nunca nutri simpatia dos guardas das praças, principalmente de Baiano, zelador cuidadoso da Matriz. O esperto guarda já ficava antenado quando flagrava minha Yamaha circulando devagar ao redor da Praça Doutor Chaves.
Mesmo em movimento disfarçado de passeio, altas horas da noite, conseguia detectar flores convidativas à colheita. Elas se apresentavam em cores distintas: vermelha, amarela e rosa. Dormitavam serenamente em pontos ermos do imenso jardim.
Furto consumado, depois de driblar a vigilância do guarda, o negócio era sair rapidinho da praça. Não uma, ou três, quatro vezes, escutei os apitos de Baiano estrilando revolta por tê-lo enganado. Flagrantes que me afugentavam daquela praça durante dias. Ou melhor: noites.
Já nas demais, pela rotatividade de vigilantes, eu consegui montar belíssimos buquês com todas as cores disponíveis nas alamedas. Minha maior recompensa era presenciar os sorrisos felizes das meninas escolhidas para receber flores.
Tal peregrinar noturno se tornou cansativo após eu mesmo estabelecer que teria de agradar várias simultaneamente. Antes resumido a simples oferenda de dois buquês por madrugada, cheguei a preparar cinco, e aí a coisa complicava feio…
Teve noite em que retornei pra casa apenas para banhar e já sair direto rumo ao meu emprego na Reitoria da Fundação Norte Mineira de Ensino Superior, situada no velho casarão da família Martins, Praça Doutor Chaves. Ainda bem que o guarda baiano já cumprira seu plantão…