O dia em que “salvei” o carateca Torresmo…

O já saudoso lutador Eldione Cruz [Torresmo], renomado professor de capoeira e artes marciais, fez história em Montes Claros-MG e em outros recantos mineiros. Mas também colecionou inimigos, por conta de sua destreza física ao enfrentar quem quer que fosse, usando mãos e pés.

Quem assistiu Torresmo lutar – dentro e fora dos tatames – sabe disso; tanto que ele é relembrado até hoje como o “Bruce Lee de MOC”. Sua morte não apagará seus feitos!

Além de ser ágil ao extremo, capaz de efetuar voos em recintos abertos ou fechados, os rapidíssimos golpes desferidos pelo carateca/capoeirista Torresmo produziam impacto contundente.

Difícil alguém sair consciente desses confrontos…

Testemunhei isso num bar da Rua Dr. Santos, na década de 80, estabelecimento situado na lateral de estacionamento, onde existiu o antigo Mercado Municipal. Anos depois, passou a sediar o Shopping Popular.

Vamos aos fatos:

Curioso que sempre fui, percebi grande movimentação naquele bar no início da noite, e então parei minha Yamaha TT, decidido a averiguar. Nada de excepcional ali: apenas assistiam jogo de futebol numa TV comum, afixada acima do balcão.

Logo na entrada, vi Torresmo entre os torcedores concentrados. Ele nem me viu, entretido em acompanhar cada lance do seu time, nem sei qual…

Em dado momento, ouviu-se uma típica gritaria de GOLLLLLL!!! Torresmo empreendeu pulos de alegria, comemorando.

Eis que um senhor, na casa de uns 40 anos, sujeito bem corpulento, cismou de provocá-lo, berrando expressões genuinamente racistas. Certamente, devia ser torcedor do outro time.

O homem não parava de insultar Torresmo com denominações racistas, berrando tudo que hoje as leis condenam – e dá cadeia.

Racismo não implicava em crime, naquela época.

Decidido a curtir a partida, Torresmo optou por ignorar o valentão por completo. Porém, o sujeito não desistiu, e logo se posicionou à sua frente, destilando mais aberrações.

Pressenti que aquilo não acabaria bem, e fiquei ali, bem próximo. Foi quando o gorducho tentou socar Torresmo, só encontrando o vazio. O exímio lutador avisou claramente: “Você não vai conseguir me acertar”.

Inútil aviso: aquela besta humana disparou mais um golpe, esmurrando novamente o vazio. Ou melhor, nem totalmente assim: Torresmo travou seu braço obeso a caminho da tentativa de agressão, e em seguida efetuou giro fenomenal no corpo.

O resultado dessa estratégia de defesa pessoal foi que aquele balão de banha humana rodopiou de forma inacreditável, terminando por “aterrissar” seu corpanzil no piso úmido do bar.

Eufórico, aplaudi o estardalhaço de gordura sendo acoplada drasticamente ao chão. E contribuí também no coro de vaias; isso irritou mais o referido ogro briguento,

Tranquilo, meio sorriso no semblante  atento, Torresmo aguardou ele se levantar. Conforme presumira, o gordão não se deu por vencido, novamente tentando acertar o professor de artes marciais: mais um tombo espetacular. Dessa vez, o provocador “dormiu” por horas, acho…

Ouviu-se par de vozes informando que a polícia estava a caminho. Nem preciso dizer que nenhum dos rebeldes apoiadores do gordão sequer chegou perto de Torresmo…

– Vamos sair daqui, Torresmo, pois chamaram mesmo a polícia. Vi o dono do bar cedendo o telefone – disse.

Ele me olhou desconfiado, apesar de me conhecer parcialmente. Sabia que pertencia à Escola de Artes Marciais Sol Nascente, do professor Katão, que alguns consideravam seu rival. Eram amigos, na verdade. Torresmo ministrou aulas nessa academia.

Equipe de artes marciais do Colégio São José: Katão, Carlos Colares, José Luís, Ronaldo Almeida e Torresmo – ELDIONE CRUZ. Colaboração Ronaldo José de Almeida

Com  Torresmo na garupa da Yamaha TT, rumei rápido para o miolo do Morrinhos, todo orgulhoso de ter auxiliado aquele grande lutador.

– Apareça na minha academia para treinar – convidou ele ao desembarcar da moto. – É meu convidado: não vai pagar nada pelas aulas.

Agradeci e realmente fui treinar com os alunos de Torresmo por cerca de umas duas semanas. Depois, desisti de vez. Motivo: a turma de caratecas de Torresmo batia pra valer nos adversários.

Acostumado aos bons modos da Academia Sol Nascente, sofri pacas nas mãos desses alunos, recorrendo a compressas de gelo para amenizar hematomas.

Torresmo avisara que eu estranharia seus métodos…

– Aqui não alisamos: o aluno já sai pronto. Você ainda vai chegar lá um dia… – afirmou o nobre professor.

Desertor confesso dos combates de tatame, não logrei atingir esse patamar preconizado pelo mestre Torresmo. Ficaram apenas as doloridas lembranças…

João Carlos de Queiroz, jornalista

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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