O cântico imortal da Honda 750 cilindradas “Sete Galo”…

Já experimentara as delícias de pilotagem da Honda 750 cilindradas depois de me mudar para Cuiabá, em 89. Assessorava o então deputado estadual João Teixeira. O parlamentar desfilava a bordo de uma “Sete Galo”, cor azul-escuro, arrancando suspiros invejosos da rapaziada.

Conforme tem sido amplamente propagado pela imprensa, a “Sete Galo” impõe respeito, charme e… cobiça… É uma autêntica limousine de duas rodas, ícone do motociclismo potente.

Devo salientar que minhas esporádicas voltas nesse modelo não decorreram de nenhum ato generoso do amigo Teixeira, mas do seu motorista particular, Marquinhos.

– Fique hoje com a moto, pois vou precisar do seu fusca, costumava propor Marquinhos.

Eu topava, lógico. Marquinhos apenas recomendava pra não exceder o limite de velocidade da 750.

– Ela é traiçoeira! Cuidado!

Naquela época, sequer era exigido uso de capacete, e nem tínhamos fiscais municipais de trânsito para atazanar nossas vidas. Bem piores do que a PM.

Assim, conselhos do tipo equivaliam a pedir aos diabéticos para não comer doces.

Porém, para ganhar a confiança de Marquinhos, eu prometia solene:

– Vou apenas dar um rolé inocente pelo bairro, Marquinhos. Bem devagar – respondia sério. Ele acreditava…

Mal Marquinhos deixava o bairro, eu vestia minha melhor roupa e descia rumo à área central pilotando a “Sete Galo”.

Em 89, devo ainda salientar, podia ser contado nos dedos a quantidade de motos do tipo circulando na capital mato-grossense. Portanto, desfilar com uma 750, máquina famosa mundialmente, chamava muita atenção.

EM TEMPO: entre os anos 80 e 90, meu bairro {Cooperativa dos Militares} detinha porte de residencial elitizado. Muita gente o escolhia como ponto de lazer noturno.Quase  um shopping a céu aberto…

Assim, sem cerimônias, eu parava a Honda 750 em frente aos bares mais movimentados, disposto a “cantar pneus”. Na verdade, apenas o pneu traseiro propagava fumaça pródiga ao sambar querendo liberdade…

Para produzir isso, bastava segurar o freio de mão (não o traseiro) e, passo seguinte, ir soltando devagar a embreagem, sem deixar de acelerar forte.

Também era importante manter os joelhos pressionando as laterais do tanque: a “Sete Galo” virava touro mecânico indócil, e os joelhos firmes auxiliavam a domá-la…

Finalmente liberta do cativeiro do freio de mão, a 750 urrava potência descabida e força harmônica nos seus quatro cilindros, avenida afora.,,

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Novamente pilotando a Honda “Sete Lago”, adentrei feliz pelo Morada do Parque, em Montes Claros-MG, minha terra natal.

Na garupa, levava o amigo Afonso Celso Magalhães Ferreira, companheiro de outras aventuras motorizadas. Rapaz confiante até demais: certa vez, nos anos 70, “voamos” por cima de boca de lobo na Avenida Dom Pedro II, em Belo Horizonte.

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Pilotar, portanto, uma 750 “Sete Lago” reavivava emoções antigas, pensamento natural ao percorrer as primeiras ruas do Morada do Parque. O bairro respirava mormaço de descanso noturno.

Buzinei frontalmente ao sobrado do mano caçula, Marcelo, mas não saiu ninguém.

– Estão todos no espaço de festas, logo acima. Vai lá também! – informou um sujeito. Nem imaginava quem pudesse ser…

Agradeci e arranquei a moto.

O referido espaço concentrava muita gente jovem. Pedi que alguém chamasse Marcelo lá dentro, aguardando com a moto ligada.

– É meu tio! – disse Deborah, sobrinha, ao vir checar quem chamava pelo pai.

– Que moto legal, tio! – elogiou ao se aproximar da 750. – Depois, tio, quero dar uma volta…

– Tudo bem – respondi. – Chame seu pai, linda!

Marcelo veio em seguida, dizendo-se surpreso pela visita inesperada. Quis saber onde arranjara uma moto tão potente, sonho geral dos motociclistas. Nem eu sabia explicar…

Afonso sugeriu que Marcelo a experimentasse, ao notar os olhos brilhantes do amigo sobre a máquina.

– Tudo bem, Marcelo, pode assumir o comando da “Sete Galo”. Só tenha cuidado ao acelerar: ela responde muito rápido, é nervosa ao extremo. E como não tem carteira, fique de olho em blitzes.

O caçula pediu que lhe passasse os documentos, para o caso de ser abordado por alguma barreira policial. Eu não tinha. E, surpreendentemente, volto a dizer, nem sabia explicar a procedência dessa 750…

– Não vão pará-lo: basta ficar de olho vivo e evitar rodovias, áreas centrais. Por aí… – aconselhei.

A BATUCADA de som aumentou mais e mais. Deborah se despediu e sumiu entre os demais festeiros. O lugar se assemelhava a uma quadra, com toldo gigante concentrando o serve-cachaça.

Eu e Afonso ainda observamos a alegria de Marcelo quando assumiu o controle da Honda 750, passando a movimentá-la cautelosamente, pela avenida principal.

– Está se familiarizando com ela – disse Afonso. – Ele manja legal…

Esse cuidado de pilotagem do caçula ocorreu apenas no começo: já alguns metros adiante, sentindo-se mais seguro, Marcelo abriu o acelerador a pleno, e a cantilena ruidosa dos quatro cilindros, sem abafador silencioso, se sobrepôs arrogante ao som da festa…

Marcelo fez questão de ir até à praça do bairro e voltar rápido pela avenida. Mal vimos seu vulto ao passar velozmente em frente ao pavilhão de festas…

Longe do Morada do Parque, foi possível captarmos o eco estrondoso da “Sete Galo” voando baixo pela Avenida Mestra Fininha. Partiu tão rápido…

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Restava, agora, aguardar o retorno do mano caçula, apesar de nem imaginar aonde teria ido ou em qual horário ele pretendia retornar.

Nessa conciliação de pensamentos, nem notei que o bairro Morada do Parque e meu amigo Afonso desapareceram no ar…

A garganta seca pedia água urgente, e meus pés descalços procuraram os chinelos, dispersos logo abaixo. Saí sonolento pelo corredor, rumo à geladeira. Aquele foi um sonho bacana…

Na tentativa de retomar o sono interrompido, relembrei a paixão avassaladora do meu saudoso mano por motocicletas. Ele viajou muito com sua Yamaha 250 cilindradas. Diamantina foi um dos destinos.

Oxalá ele esteja pilotando máquinas do tipo em algum dos paraísos em que certamente ingressou. Porque, nos sonhos, sempre o vejo vestido de branco; vestuário de anjos.

João Carlos de Queiroz, jornalista