Nos tempos em que voava sonhos…

Pilotar uma máquina voadora é o sonho de muita gente. Aliás, estar no comando de aparelhos que alçam voo e ganham alturas fantásticas não se explica com meras palavras, é muita emoção...

Por João Carlos de Queiroz –  Entre os anos 80 e 90, reativei, presidi {e também fundei} dois aeroclubes, escolas de pilotagem subordinadas ao Ministério da Aeronáutica.  Não foram empreitadas fáceis, porém complexas, repletas de altos e baixos, e, devo confessar, até de completo desânimo em algumas situações, quando quase desisti de ir avante.  Felizmente essa luta deu certo, e até hoje os aeroclubes em questão se encontram estão em operação regular.

Primeiramente, essas ações aviatórias se concentraram em Montes Claros-MG, onde conseguimos (pois contei com apoio precioso de vários amigos) reativar o aeroclube local, desativado há muitos anos.  O retorno prático dessa entidade de pilotos civis foi saudado festivamente por todos.

Minha segunda missão no segmento aéreo teve lugar em Várzea Grande-MT, igualmente apoiada por aliados idealistas: após me mudar para Mato Grosso, sem conseguir me desvencilhar da paixão declarada por aviação,  empreendi militância em prol da fundação do primeiro aeroclube dessa cidade. Até então, existira apenas uma escola particular de aviação no município vizinho a Cuiabá, administrada pelo comandante Wagner, na época proprietário de empresa de táxi-aéreo. 

Orgulho-me , enfim, de todo esse trabalho exitoso para consolidar uma aspiração coletiva, alardeada por jovens e adultos. Porque, conforme estampei no título acima, voar sintetiza sonhos indescritíveis, metamorfoseando sensações prazerosas que acalentam corpo e alma. Não se explica jamais quais são as sensações que acometem nosso âmago quando nos sentimos livres para ir de um lugar a outro em altas velocidades, sem tocar o chão…

Em tempo: entreguei essas entidades à população  100% regularizadas juridicamente e compostas de aeronaves prontas para voar (Cessna 150, prefixo BKT, e um Aero-Boero 115, prefixo GMQ). Ainda deixei pronto em Montes Claros-MG um  espaçoso hangar. Já o avião Cessna foi doado pelo empresário Walduck Wanderley, pai do aviador e precursor das atividades de instrução aérea no Norte de Minas Gerais, Flamarion Wanderley, responsável direto nos anos 40 pela fundação do Aeroclube de Montes Claros.

Flamarion era um desbravador nato dos ares, aventureiro por excelência. Para fundar o Aeroclube de Montes Claros, que eu reativei nos anos 80, ele teve também apoiadores fundamentais ao êxito dessa causa: Antônio Lafetá Rebello, Mário Magno Cardoso, Omerzindo Assis Lima, Omero Santos e Hélio Rocha Lessa (esse último se tornou médico credenciado da área aviatória na cidade).

Em Mato Grosso, já contei com o auxílio inestimável dos amigos Artur Porfírio Lima Pimenta, Adão Tarcísio de Castro, Humberto Velloso Reis, Anísio Ramos Borges, Paulo Sérgio Marino de OIiveira, comandante Roberto José Faria de Gusmão, Miguel Ângelo Guimarães Mendes, Américo Martins Filho, dos jornalistas Arthur Leite, Sidney Cruz, Felipe Gabrich, George Nande e mesmo de membros da velha guarda do aeroclube, todos aviadores: Hélio Rocha Lessa, Antônio Lafetá Rebello, Omerzindo Assis Lima, Mário Magno Cardoso e Omero Santos. 

No caso de Várzea Grande, o monomotor Argentino saiu novo em folha – direto da fábrica no país vizinho – para aportar inicialmente em Maricá-RJ. Na sequência, veio dessa cidade fluminense para o Aeroporto Marechal Rondon, comandado pelo oficial da Força Aérea Brasileira, capitão Marcos. Chegou ao terminal várzea-grandense numa tarde chuvosa após a viagem do Rio para MT, intercalando paradas técnicas de abastecimento.

Foi um dia de glórias para quantos me apoiaram na luta pela fundação e estruturação do Aerovag: Jane Aparecida da Silva, Claudemir Dias Gonçalves, João Cavalcanti, médico José Sabino Monteiro Filho, Benedito Batista Figueiredo, Júlio José de Campos, Jayme Veríssimo de Campos, jornalistas Enderson Thaines, Belival Dueti, Flávio Garcia e muitos outros.

São tempos deliciosos, apesar de tantos esforços vitoriosos e muitas frustrações no percalço idealista. Mas valeu a pena, posso assegurar.  Pois a partir do instante em que pude assumir o manche do Cessna 150, em Montes Claros, e sair voando para onde bem quisesse, tudo o mais – em termos de cansaço e metas não alcançadas na sua integridade – ficou pra trás.

A aviação possibilita isso: realização interior completa. Voar é como se estivéssemos mais próximos a Deus, e não são raros os momentos em que nos deixamos enlevar não somente pela força da máquina comandada, mas também pela exclusividade de liberdade que nosso âmago registra a cada minuto de pilotagem.

Senti tal sensação, pela primeira vez, ao decolar rumo a Pires e Albuquerque, antigo distrito bocaiuvense e residência de parentes paternos. A intenção era sobrevoar o sítio deles, mas fiz muito mais: efetuei uma série de rasantes, jogando caramelos para quantos lá estivessem nos saudando com um imenso lençol branco. O monomotor parecia ronronar de prazer a cada arremetida, como se quisesse dizer estar pronto para outro procedimento similar.