Posso dizer que conheço de cor e salteado cada centímetro dos prédios que compõem a Escola Normal em Montes Claros-MG. Primeiro, na fase criança, conforme mencionei em texto anterior, estudei parte do Primário no antigo prédio, sobrado centenário da Rua Cel. Celestino); já o restante, teve lugar na espaçosa sede da Avenida Mestra Fininha.
Também nesse novo prédio funcionou o Normal, curso com intensa movimentação de mulheres. Uma das alunas, minha mãe minha mãe {Maria Eny} dividia sala com a futura Miss Minas Gerais, Virgínia Barbosa. Uma festa quando Virgínia ganhou o título; honraria que se estendeu à escola inteira.
Na sequência, cursei o Ginasial no mesmo prédio, no andar superior. Irritava-me ouvir a sirene estridente nos convocando para retornar à sala. Difícil esquecer o corre-corre de alunos subindo a rampa destituída de degraus…
Nos anos seguintes fui transferido para o Anexo Darcy Ribeiro, imóvel de arquitetura mais simples, funcional.
TENHO SAUDADES de tudo isso, especialmente da época do Primário. Foram tempos de brincadeiras ingênuas e divertidas: cabra cega (quebra d pote com balas); corridas de saco; maçã encantada (tentávamos morder uma maçã presa num barbante), e muitas outras…
Tínhamos tratamento especial dos professores, sempre atenciosos em tudo. A merenda, por sinal, era deliciosa, geralmente regada a farto mingau de aveia ou fubá, além de pão com queijo suíço.
Perguntei, um dia, se aqueles furinhos no queijo foram causados por ratos; muitas risadas das cozinheiras…
Nunca esqueci as diminutas carteiras do Primário, denominação dada às pequenas acomodações da criançada. Adulto, fiquei matutando como pude comportar meu corpo naquelas cadeirinhas tão estreitas…
E ao olhar para o interior colorido da classe infantil, repleta de brinquedos, quase escutei o alvoroço que fazíamos antes de a professora pedir silêncio. Que saudades!
FOI no Anexo Darcy Ribeiro, já adolescente, que arrumei uma confusão pra lá de complicada. Nem sei bem como começou aquela briga, mas o incessante pontapés, tapas e socos desembocou para dentro da secretaria da escola, afugentando as sisudas funcionárias.
A gritaria delas deve ecoar ainda por aquelas paredes de tijolos ornamentais, calculo…
Meu opositor, recordo bem, era um rapaz negro, bem corpulento. Há dias fazia cara feia ao me ver, e realmente ignoro o motivo real da briga, ou o porquê de sua gratuita implicância. O cara tomou birra de madrasta comigo…
Só lembro, e muito bem, do quanto corri para não ser alcançado por ele, temendo levar uma sova memorável. è que desfrutava de fama de brigador dos bons. Seu apelido? “Patada de Leão”. Dá pra se ter uma ideia do sujeito…
O ruim é que o danado tinha fôlego inesgotável, além de pique ágil nas pernas. Não tardou assim a me alcançar na maratona empreendida pelos corredores e pátio do anexo escolar.
A custo, valendo-me da agilidade por ser mais baixo, consegui me safar da saraivada de chutes e tapas, correndo em direção à secretaria. Nutria urgente esperança de ser salvo pelas funcionárias (as mesmas que correram apavoradas ao ver todo esse bafafá).
Sem cerimônias, o agressor entrou atrás de mim, derrubando cadeiras e outras coisas. Desnorteado, vi algo sombreado na mesa e o peguei automaticamente, desferindo certeiro golpe na fuça do inimigo. Isso refreou magicamente seus ímpetos de selvageria…
– Quebraram o telefone! – gritou alguém.
Naquele tempo longínquo, telefone fixo valia ouro. Considerava-se bem de vida alguém que tivesse mais de uma linha disponível. Equivalia a acumular bens, comprar lote, casas, por aí…
No caso desse aparelho, que transformei em soqueira improvisada, a colisão causou bom estrago no rosto do meu oponente. Isso porque foi fabricado rusticamente, à base de ferro. Não quebrou, felizmente, apenas desmontou o teclado.
Resultado: mal bati na cara do valentão, ele já entrou para o mundo dos sonhos forçados. Sangue não faltou nessa cena bizarra…
FIQUEI ali, sem ação, à espera de reprimendas da diretoria, e realmente elas aconteceram: meus pais foram chamados urgentemente na escola, oportunidade em que foi reiterado que confusões do tipo não seriam ais toleradas. Por pouco não fui expulso…
O estranho é que nunca mais avistei meu parceiro de balbúrdia na Escola Normal, ou na cidade. Os pais dele também compareceram ao anexo no mesmo dia.
No fundo, acho que a administração soube que eu apenas tentei salvar minha pele ao desferir uma coronhada apagão. Deve ter doído pacas!
Por João Carlos de Queiroz, jornalista