Anos 60, Pires e Albuquerque, Minas Gerais – Lá na roça mineira, incrustada na rústica paisagem que caracterizava o ainda hoje humilde povoado Engenheiro Pires e Albuquerque (rebatizado de Alto Belo), existia um leque infindável de lendas interessantes sobre todos e tudo.
Logicamente, há quem diga que tudo isso não passa de pura crendice popular, fruto da imaginação de povo sem estudos. Não é bem assim…
O fato de dizer “existia” é porque, atualmente, nem se fala mais em trânsito de assombrações no acanhado distrito bocaiuvense. Refiro-me a lobisomens, mulas sem cabeça, luzes de fogo, potes de ouro, etc. e tal. Coisas faladas e tão temidas naquela época, entre os nativos locais.
Naqueles anos, andar à noite pelas estradinhas rurais de Pires se constituía mesmo numa aventura intrépida, restrita apenas aos mais corajosos.
Meu primo Nem [Sebastião Pimenta] foi um dos que se atreveram nessas incursões macabras, festeiro incorrigível que era: bastava dizer que tinha festa no povoado – ou em propriedade rural das redondezas – para Nem se deslocar a cavalo do seu sítio, distante uns seis quilômetros.
Deve ser salientado que essa distância não impedia que os demais sitiantes ouvissem o berro madrugador do trem de carga e do comboio de passageiros passando a quilômetros, rumo à capital mineira. O cargueiro passa por lá ainda hoje…
O interessante é que os moradores de Pires achavam chique embarcar nesse trem para irem a Belo Horizonte; viagem sonhada por muitos desde a mais tenra infância.
“Eu só dia até Bocaiúva, e vice-versa”, diz Nem.
O primo também conta que nenhum fato associado a aparição de lobisomem na região o impediu de festar à vontade.
“Ver um, propriamente, nunca vi, apenas senti. Outras coisas já aconteceram em minhas cavalgadas…”, disse.
Por precaução, a exemplo do seu saudoso pai, Ambrósio, Nem nunca deixou de portar uma espingarda e facão nesse trotar solitário pelos vales que circundam Pires.
“Já tive pressentimentos ruins da presença desse bichão em várias ocasiões, principalmente perto do Rio Verde, onde meu pai o avistou certa noite, nadando. A água borbulhava feio ao seu redor…”
Nem também contou ter vivenciado apuros ao atravessar o capão de mata, perto das 2h.
“Por causa do período chuvoso, meu cavalo teve dificuldades nesse trecho, que fica todo escorregadio. Um dia aconteceu algo realmente assustador: de repente, senti peso extra no lombo do animal, que relinchou assustado. Foi aí que vi um horrendo caixão de defunto atravessado bem atrás”.
Assolado por tal peso extra, “Passarinho” [cavalo] arqueou as pernas traseiras, mas conseguiu se soerguer com dificuldade, na sequência.
“Então saímos rápidos dali”, recorda Nem, expressão aliviada, apesar da distância dos anos do ocorrido.
Essa aparição de caixão funerário no capão cedeu lugar a uma outra, meses após. Foi quando uma vaca preta, ostentando estrela de fogo na testa, posicionou-se à sua frente, impedindo-o de passar.
“Aí, ciente de ser coisa do outro mundo, já saquei do terço e comecei a rezar, e “aquilo” sumiu na hora. O pobre cavalo quase saltou os olhos das órbitas, de tão assustado que ficou”.
De outra feita, também retornando de balada num dos sítios da região, Nem avistou um homem sentado no alto da cancela. Tinha chapéu preto, e por manter o rosto ao contrário, ele não pôde identificá-lo.
“Pedi licença e abri a porteira; aquele vaqueiro não disse nada, limitando-se a ficar quieto, em silêncio. Mais uma vez, “Passarinho” relinchou de pavor, ciente de estarmos novamente às voltas com assombração”.
A cancela emitiu rangido típico de carro de boi ao ser aberta, e Nem passou por ela meio cabreiro. Ao ir fechá-la, pensou que finalmente veria o rosto do desconhecido, mas ele já virara ao contrário.
“Não queria que o identificasse, ficou claro isso. Novamente agradeci a “gentileza” e montei no cavalo. Ao olhar para trás, não havia mais ninguém por lá…”
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Chegando ao sítio dos pais, Nem decidiu requentar a janta, aproveitando que o fogão a lenha ainda emitia sinal de braseiro vivo.
“Foi só caminhar para a cozinha, portando lamparina, que vi uma luz fortíssima iluminando a sala atrás de mim. Fui lá checar e ela se deslocou rápida para a cozinha”.
Aquela luz, deduziu, parecia querer brincar de esconde-esconde com ele, pois ia e vinha o tempo inteiro.
“Não me importei e fui preparar a janta. Enquanto permaneci na cozinha comendo, essa luz irradiou luminosidade forte na salinha de estar”.
Ao terminar seu jantar e ir dormir, Nem pôde notar, da porta do quarto, que a mesma luz misteriosa tinha se acomodado novamente na cozinha, a ponto de iluminar a segunda sala.
“Contei esse “causo” para os irmãos adolescentes e meus pais no dia seguinte. Também disseram ter visto essa luz perambulando pela casa inteira, tempos atrás”.
POTE DE OURO
O primo Nem, com mais de 80 anos, reside há décadas na casa que construiu próximo a esse sítio, cuja construção original foi demolida pelo seu mano Ronaldo, para ceder lugar a uma mais moderna.
“Só quero é descobrir se as raízes da árvore barriguda, que deitamos abaixo, ainda esconde um pote de ouro”, conta Nem.
Segundo sua narrativa, o fantasma de sitiante das proximidades instruiu seu pai para escavar e retirar o pote de ouro dessa árvore. Só que – condição imposta pelo amigo falecido de Ambrósio – ele teria que ir sozinho, e à meia-noite.
“Não deu certo pelo seguinte: meu pai ficou com medo e pediu que seu compadre Domingos o acompanhasse nessa escavação. O !”encanto” foi quebrado”.
Volta e meia, assegura até hoje o simpático primo Nem, algo dourado brilha ali à noite.
Seria o pote “pedindo” para ser desenterrado?!
Por João Carlos de Queiroz, jornalista