Nesta Páscoa, ao invés de ovos de chocolate, distribua ovos de galinha. Jesus aprovaria…

O mundo interior arrota fome, estômagos vazios. Há desespero coletivo por toda parte, e o reclame da comida é o mais intensivo. Ao invés de presentear os chegados com caríssimos ovos de chocolate, melhor comprar sacolão ou simplesmente ovos de galinha de granja ou caipira. Sairão mais em conta e vão saciar a fome. Esse é o maior dilema do Planeta que gasta bilhões com guerras e vaidades pessoais dos seus governantes

Por João Carlos de Queiroz – O mundo comercial se acostumou a mamar nas tetas da miséria. Quanto pior a situação, mais lucros podem ser visualizados e concebidos, na prática. Exemplo disso são as datas festivas, principalmente Natal, Ano Novo, Páscoa… Nem Sexta-Feira da Paixão escapa dessa regra de obtenção ávida por lucros. Já se vai longe o tempo em que a santa data significava luto geral nos quatro cantos do Planeta, com recolhimento silencioso do povo brasileiro/mundial e recusa terminante por qualquer atitude considerada desrespeitosa (bebidas, música, consumo de carne, etc.). Muitos sequer punham os pés pra fora de casa, ignorando as chaves dos automóveis. Viajar, então, nem pensar: era profanação explícita (em forma de alegria) ao suplício vivenciado por Jesus Cristo.

Mas o mundo mudou, e tem mudado drasticamente a cada dia. E a Páscoa, hoje, perdeu parte do seu sentido de pureza pela ressurreição de Cristo, emoldurada apenas na coleta de lucros exorbitantes pela venda dos tradicionais símbolos da data, principalmente ovos de Páscoa, recheados ou não. O principal recheio fica por conta dos preços altíssimos, impagáveis à maioria de quem pode apenas babar ao ver os suculentos pacotes ovais dependurados nos supermercados. As etiquetas de assustadores $$$, afixadas em cada pacote, afugentam a proximidade das pessoas assalariadas, grande parte delas condicionada a apertados orçamentos domésticos. Comemorar a Páscoa com chocolate está descartada do círculo familiar.

A frieza comercial mundana não poupa sequer os charmosos coelhinhos da Páscoa – não bonecos, mas seres vivos. Os dóceis bichinhos agora constam de cardápios em suculentos almoços festivos, sendo imolados sem piedade para “homenagear a vitória de Jesus contra a morte”. Quanta hipocrisia! Recordo ter presenciado, anos atrás, vários desses bichinhos presos numa gaiola imensa, na casa de amigos. Foi num Sábado de Aleluia. A movimentação de gente estranha dilatava suas pupilas, impondo movimentação inquieta nos corpinhos aveludados. Só se aquietavam diante das crianças, emitindo sinais de socorro…

Nem eu entendi direito por que os pobrezinhos estavam ali, quando poderiam estar soltos, correndo felizes pelo quintal. Deduzi que a gaiola era para protegê-los, pois havia um cão na área. No dia seguinte, Domingo de Páscoa, ao ser convidado para almoçar no mesmo lugar, finalmente caiu minha ficha: os lindos coelhinhos jaziam agora em panelas, em meio a outras porções. No varal da casa, peles esticadas para secar, ainda sanguinolentas. Nunca mais voltei à casa desses monstros amigos…

Hoje em dia, no ato da propaganda ruidosa de comercialização dos ovos de Páscoa, os ditos religiosos – “seguidores dos costumes divinos e dos próprios passos de Jesus” -, conforme apregoam descaradamente, nem ao menos doam uma dúzia de ovos comuns (não de chocolate) para quem tem fome gritante nas feições e físicos esquálidos. Basta andar por aí mesmo, nas vizinhanças de qualquer bairro classe baixa, para levantar a demanda esfomeada de sua população.

Infelizmente, preferem pagar cerca de R$ 30 reais – ou mais – por um único ovo de chocolate, quando poderiam comprar dúzias de ovos de galinha com esse valor e doá-los para que a Páscoa dos semelhantes miseráveis seja um momento de trégua reconfortadora aos estômagos vazios. A ironia chega ao cúmulo quando agradecem pela Feliz Páscoa e distribuem os caríssimos ovos à parentada que vem filar almoço, cerrando as portas frontais da casa para não serem incomodados por pedintes.

É um procedimento que realmente dá asco. Pois é pecado refutar pedido de comida de um faminto à porta de sua casa em qualquer data, principalmente quando tem farto almoço disponível à mesa. E as argumentações dessa recusa (“Não é hora de pedir comida”) talvez convença a massa a postos para o referido deleite gastronômico festivo, mas não a Deus. Merecerá aplausos, com certeza, de alas do desconhecido tenebroso, dos que se comprazem com o sofrimento humano. De Jesus, se Ele estivesse aqui, mereceria uma boa cusparada, para enxertar os olhos cegos ao sentimento humanitário…

 

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