“Natal sem Fome”: piada sem-graça para quem tem fome durante o ano inteiro

Hipocrisia. Eis a palavra que encontro para definir essa cruzada social que ocorre somente em épocas natalinas. São campanhas e mais campanhas institucionais e do setor privado para amenizar a fome da crescente classe paupérrima que o presidente Michel Temer tem ampliado com suas medidas de extermínio total dos já miseráveis da Nação. Temer quer que o pobre pague a roubalheira de décadas do sistema previdenciário.

A Reforma da Previdência é o tiro de misericórdia no rol de aposentadorias em vigor e nas futuras, e sinaliza drástico desequilíbrio no orçamento daqueles que mal conseguem bancar remédios triviais. A maioria dessas aposentadorias é calcada em situações de invalidez física e sufoco diário no âmbito alimentar,além de outros encargos (luz, água, moradia). No Brasil, pobre não tem vez: luta para se aposentar, e, aposentado, dá início a uma série de combates pra conseguir sobreviver dignamente seus últimos dias.

Felizmente, parece que o pretendido “sim” que Temer almeja à votação desta Reforma demoníaca tem encontrado resistência na minguada dignidade dos detentores de mandato no setor palaciano (Congresso Nacional). Por conta disso, prevendo o pior (derrota), o gelado presidente decidiu colocá-la em votação somente após o recesso parlamentar. Tempo que usará para cooptar os ainda não aliados dos seus planos de submergir, sem a menor piedade, a categoria de assalariados desse cenário tropical, a cada dia mais idêntico a um manto mortuário.

Enquanto isso, pela proximidade do Natal, nascimento de Jesus Cristo, uma legião de atores da ilusória felicidade geral ostentam “Paz” e “Boas Festas” com intermitente insistência. Arrecadam toneladas e toneladas de alimentos, e, no entendimento dos menos informados, está resolvida a situação de panelas vazias do Zé Povo brasileiro.

Os coordenadores desse projeto só não explicam que isso acontece apenas durante poucos dias dos 365 que compreendem o ano. No restante desse período, a fome brava está instalada, e fica difícil que crianças e adultos aguardem o próximo Natal para levar alguma cesta básica pra casa…

Nada contra esse esforço, ainda que seja por poucos dias, convenhamos. Algo, pelo menos, vem sendo feito em prol do grito esfomeado daqueles que o Planalto pretende esmigalhar com seu tanque de guerra da Reforma Previdenciária. As campanhas em curso possibilitam comemorações isoladas, a tempo de ouvir risadas cristalinas de crianças felizes na hora do almoço e jantar, pois finalmente suas murchas barriguinhas receberam comida farta, uma raridade no seu dia a dia faminto…

Se todos nós, brasileiros, fôssemos conscientes do quanto existe de sofrimento por causa da fome, reservaríamos um terço das coisas desperdiçadas para ajudar essas pessoas durante o ano inteiro, não apenas no Natal. Basta assistir a gula de desespero daqueles que reviram lixo à cata de comida, para se ter uma ideia da extensão desse problema social no País de ‘engana-trouxas’.

Felizmente, o Natal, em si, data de nascimento do Salvador dos homens pecadores – que nada fizeram para merecer Seu sacrifício -, não tem a menor culpa nisso tudo. Culpados somos nós, seres insensíveis, egoístas, ambiciosos, que deitam e acordam pensando em dinheiro, no quanto podemos ganhar mais e mais. E que se dane quem não possui sequer uma xícara de arroz pra cozinhar pra meia dúzia de crianças, dura realidade nacional.

Fosse na época das administrações corruptas dos chefões petistas, estaria sendo alardeada uma campanha de Fome Zero, piada grotesca…  Zerado está é o cofre público da União. Há muito tempo…

É por pensar desse modo que não tenho lá muita simpatia com a figura comercial de Papai Noel, a quem atribuo a condição de mandatário supremo dessa insensibilidade. Considero-o quase uma réplica dos moldes palacianos na instituição de medidas de massacre coletivo aos irmãos não enquadrados na categoria colarinho branco. De nada adianta veicularem propagandas de sinos badalando “noites felizes”, quando o ronco de barrigas vazias, País afora, se sobrepõe a qualquer molde de forçoso convencimento popular…(João Carlos de Queiroz, editor-geral)

 

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