O homem é cruel por natureza, e tem arrogância extrema por achar ser “dono” de outras vidas, igualmente criadas por Deus, à semelhança dele. Aqueles seres que não se adequam no parco entendimento ignorante do homem, ele quer ceifar. Principalmente se não for do seu agrado visual. É o caso dos sapos…
Ao longo dos tempos, esses pobres seres saltitantes, moradores tradicionais de brejos e buracos úmidos, vêm sendo perseguidos sem a menor piedade. É como se o juiz-da-morte, o sanguinário homem, baixasse decreto proibindo suas existências.
Quando os sapos não morrem vítimas de pauladas, são envenenados ou fadados a cumprir agonia pelo depósito de sal jogado em suas costas. Há quem se divirta em vê-los sofrer assim; e, no domingo, cinicamente comparecem a cultos religiosos, na crença ingênua de estar tendo proteção de Deus. O Pai Celestial não protege maldosos!
O homem, ou melhor, os carrascos que assim agem, concluem estar agindo corretamente, pois sapos são feios, dizem. Muitos não olham no próprio espelho, quando poderiam tirar conclusões contraditórias às suas pérfidas ações assassinas contra sapos e outros inocentes.
Os mesmos sapos que os seres humanos trucidam covardemente, bastando apenas vê-los saltitando por aí, talvez se sintam também horrorizados pelas aparências humanas dos carrascos de duas pernas, erroneamente qualificados de racionais.
Há, sem dúvida, na matança indiscriminada de inocentes sapos, e também de outros animais indefesos, a exposição de completa bestialidade humana, assemelhando-se a condutas monstruosas da era medieval. O homem, é sabido, é o ser mais perigoso do planeta!
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QUANDO criança, com uns 12 anos, creio eu, acordei de madrugada ouvindo baques estranhos debaixo da cama. Acionei o interruptor de luz, ao alcance da mão, e resolvi checar a origem daquilo. Quase dei um beijo na boca de um imenso sapo cururu!
Não me indaguem como aquele sapão foi parar ali, pois eu simplesmente não sei. O fato é que ele ficou me olhando indagativo, talvez imaginando que pudesse lhe fazer algum mal. Não fiz, lógico.
Mas, por precaução, temendo que algum dos pulos pudesse levá-lo diretamente ao encontro do meu travesseiro, providenciei sua expulsão pacífica do meu quarto. Para tanto, utilizei um rodo, suavemente batendo-o próximo ao corpanzil rugoso do cururu, que foi saltitando preguiçoso corredor afora…
Adiantei-me e abri a porta de acesso ao quintal, continuando a martelar o rodo levemente atrás do grotesco saltador de língua comprida. E lá foi ele, num pula-pula ritmado, até alcançar a porta e, dali, pular diretamente na grama, embrenhando-se entre as frutíferas que meu pai cultivava na área.
Por bom tempo, não brinquei no quintal, sempre lembrando a pouca idade, o temor de encontrar o cururu. Talvez ele estivesse rancoroso, pensando que fui o causador de sua expulsão; e então poderia se vingar de alguma forma…
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MINHA saudosa avó é quem contava um susto que sua prima passou, matadora profissional de sapos. Segundo ela, Dorinha não poupava nenhum tipo de sapo, incluindo pererecas. Matava tudo sem hesitar, e se divertia jogando sal nos pobrezinhos.
Uma noite, quando dormia placidamente, ela sonhou que estava num pântano repleto de sapos, e quanto mais mexia o corpo, mais apertado ficava entre eles. A implacável Dorinha acordou assustada, e mais ainda ficou ao sentir que sua cama tinha VÁRIOS SAPOS CURURUS. Nem preciso dizer que saiu correndo…
Ao contar isso, minha avó não soube explicar se ela voltou ao quarto pra ver se não tinha sido acometida de alguma visão estranha, ou pesadelo; ou se os sapos realmente estavam acomodados no seu leito.
– Dorinha nunca mais quis saber de dormir ali, mudando-se para a casa de Tereza, sua tia paterna. E também nunca mais matou sapos, passando a respeitá-los dali em diante! – sublinhou.
PORTANTO, não mate sapos! São filhos de Deus. Feios, sim, que nem os seres humanos que se julgam beldades totais. Você pode ser um deles, nunca duvide disso…
João Carlos de Queiroz, jornalista