Sempre que ia a BH no Trem Azul, ou mesmo a bordo de ônibus da antiga DANIFI, cumpria quase um ritual diário pelas lojas da capital. Fazia isso pela manhã e também à tarde, visitando um sem número de estabelecimentos da área central da capital mineira. Detalhe: não comprava nada, pois não tinha um centavo sequer.
Alguns funcionários deviam adivinhar isso, esquivando-se deliberadamente de me conceder a mínima atenção. Nem ligava, lógico, entendendo que a função deles era vender. E como eu não podia comprar, descapitalizado totalmente, não havia motivos para perderem tempo comigo…
As principais lojas de revenda de produtos óticos ficavam distribuídas pela ala central, ruas São Paulo, Rio de Janeiro, Tupinambás, Tamoios e na Avenida Afonso Pena.
Também a Galeria do Ouvidor, que interligava duas ruas, convergia grande número de lojas do tipo, exibindo projetores Super-8 sonoro, 16 mm e filmadoras. Até mesmo as lupas me encantavam, sugerindo projeções ampliadas.
Já as motocicletas ficavam mais afastadas, na parte baixa da Rua Tamoios, concessionárias e oficinas. Foi lá que retifiquei, tempos após, o motor da minha saudosa valente Yamaha GT mini enduro 50 cc. Gostava de gastar tempo vendo o burburinho dos funcionários e o pipocar dos motores dois tempos enfumaçando tudo.
Mas foram bons passeios e bons tempos, hoje sei, independente dos bolsos vazios e o suculento apetite para abocanhar produtos fora do meu alcance financeiro. Assim, ficava quedado diante de muitas maravilhas expostas nas vitrines ou estacionadas nas lojas. Refiro-me a projetores 16 mm e motocicletas, alvos da minha predileção platônica.]
Não raramente, sentia-me deprimido por querer ter e não poder, e então saía de mansinho das lojas, volteando olhares de despedida às tentações estáticas que se evadiram do meu propósito de posse.
Mais adiante, uma outra loja de motos ou produtos óticos em geral atraía meus passos solenes para uma nova incursão platônica, e aí gastava bons minutos de novo namoro firme – não correspondido.
Aconteceu também de ser surpreendido pelo deslizar gritante de portas corrediças, ocasiões em que algum funcionário disse delicadamente estar fechando. “Ah, tá bom!”, sempre respondi desse modo matuto, indicando estar à espera de tal informação.
Na sequência, acenando despedidas, eu ganhava a rua frontal à loja, parcialmente toldadas pelo manto da noite próxima. Ainda no passeio, deduzia que, mais uma vez, o dia chegara ao fim, hora de voltar para o apartamento da madrinha.
No longo calçadão da Avenida Afonso Pena, camelôs já preparavam fogueira em tambores cortados para torrar amendoins. Outros ofereciam espetinhos de carne duvidosa, pastéis, etc. Muitos deles cantarolavam sem parar, talvez para chamar a atenção, saltitando para espantar o frio chegante.