Namoro entre vagões de trem…

Na já deteriorada estação ferroviária de Montes Claros-MG, meados dos anos 70, namorei bastante entre os vagões perfilados à retaguarda do atrativo terminal. Eles ficavam estacionados próximos à área de manutenção ou mesmo dentro de gigantescos galpões. Os namoros aconteciam geralmente no cair da noite, pois tinha horário estipulado para estar em casa. Se desrespeitasse as leis paternas, lá vinha pito bravo e até possíveis chineladas…

Nessa fase de namoricos inocentes e descompromissados, sem as despesas tão comuns nos dias atuais (shopping, clubes, etc.), nunca me atrevi a entrar nos vagões que estivessem nas oficinas, apenas nos que estavam à vista geral e um pouco distante dos galpões. Sabe-se lá qual seria a reação de possíveis vigilantes do lugar…

A maioria dos carros ferroviários mantinha tranca nas portas por segurança, mas não raras vezes encontrei alguns abertos, e aí a sessão de namoro transcorria de forma mais confortável. Aliás, a bordo desses vagões, por vezes postado à janela, simulei animadas viagens de trem. Essas teatralizações animavam vivamente o clima imposto de romance. Nem água fazia falta por lá…

Observador, notei que a preocupação dos responsáveis pela guarda do setor recaía nos carros poltrona leito, leito, Correio e restaurante do Trem Azul, o mais usual na época. Já a terceira classe, utilizada por retirantes da seca, ficava meio abandonada naquela área de temporária inércia. Depois de dias, os vagões que a integravam eram igualmente engatados à locomotiva para partir rumo a algum destino distante…

Foi um tempo de bom namoro, diria assim. Muitas ex-namoradas costumam reavivar hoje tais lembranças em papos via online, o deplorável sistema imperante na atualidade. É quando as pessoas ficam próximas o tempo todo, e, simultaneamente, também distantes de tudo. Algumas, totalmente alienadas do mundo real ao seu redor, deslumbradas por uma ilusória presença física nas mídias sociais.

Enfim, sepultada essa era ferroviária no país, restou somente uma história prazerosa de incontáveis horas de convívio com os imensos lagartos de aço que cruzavam os extremos do Norte de Minas Gerais, para aportar dias depois em São Paulo, o destino prioritário dos embarcados.

Em tempo: quando ia a Montes Claros – e já faz um punhado de anos que não apareço na minha terra natal -, não deixo de dar uma passadinha curiosa nas imediações da antiga área da estação ferroviária. Mais do que rever mentalmente os vagões e locomotivas que ficavam perfilados estáticos por lá,  ali também existe uma parte importante da minha vida. Afinal, sobrou pelo menos uma memória concreta do quanto foi bom namorar entre vagões e suspirar apaixonadamente ao lado de eventuais musas do meu transcurso adolescente…

Por João Carlos de Queiroz