Estudar naquele sobrado idoso da Rua Cel. Celestino (Montes Claros-MG), com estrutura constituída de paredes grossas e madeiramento irregular, volta e meia estalando suspeitos ruídos {sinal do cansaço dos tempos}, foi até bom…
Na verdade, ir à Escola Normal, depois de uma manhã inteira em casa, sem nada pra fazer, passou a ser minha rotina comum. Sentia falta do burburinho escolar durante os feriados, torcendo para que as férias também acabassem logo.
Afinal, aquela escola, a despeito do obrigatório copia-letrinhas do ABC, tarefa da fase de alfabetização, ou o cansativo colore figurinhas, agrupava meus melhores amigos e diversões legais.
Na minha classe, toda ornamentada de desenhos e quadros de animais e da natureza, em si, só enfrentávamos um probleminha relativamente incômodo: não poder sair de lá enquanto a campainha do recreio não tocasse. Ai de nós se a bexiga ou os intestinos reclamassem urgente evacuação…
– Aguentem quietos, pois o recreio está pertinho – dizia impassível a professora ao ouvir algum reclame. Era quem mandava, não havia como não obedecermos.
Aí, para ter certeza de que não haveria mais pedidos do tipo, a sisuda mestre escolar direcionava olhar de ave de rapina à classe inteira, causando calafrios em todos…
Nesses momentos, suas pupilas se agigantavam atrás das lentes de fundo de garrafa. Se tirasse os óculos, creio que não enxergaria nada…
Não poucas vezes, ao observá-la, imaginei-a saindo voando rápido da classe, a bordo de uma vassoura. Vocação de bruxa ela tinha, certamente…
Então…
Meu colega Gérson, um dia, pediu para ir ao banheiro, avisando estar quase, quase fazendo nas roupas…
Muitas risadas dos alunos e da própria professora, ao ouvir aquilo. Porém, ela não teve pena do coitadinho, mais uma vez avisando para ele aguardar o recreio.
Olhando-nos aflito, Gérson avisou que realmente não aguentaria, posto que estava difícil segurar os ímpetos nervosos de sua onda intestinal.
Soberbamente postada no tablado frontal ao quadro negro, a professora limitou-se a nos chamar a atenção para a importância de uma frase longa, escrita com letras garrafais. Soletrou-a não sei quantas vezes.
Enquanto isso, o pobre Gérson já se retorcia na “carteira” (nome dado aos rústicos assentos escolares de antigamente). Tudo indicava que “iria dar merda”, literalmente falando…
Uns colegas até avisaram que Gérson estava quase fazendo nas roupas, mas nem isso comoveu a professora, que manteve tranquilamente sua postura maquiavélica, aguardando a sirene do recreio.
De repente, todos nós sentimos um odor nauseante de fezes invadir a classe inteira, percebendo que, ao contrário do requebra forçoso no assento, Gérson agora estava bem quietinho, sequer se arriscando a olhar de lado…
– Também estão sentindo fedor de cocô? De onde vem essa fedentina? – indagou a professora.
Todos os olhares se voltaram para o tímido Gérson, a essas alturas de cabeça baixa, envergonhado de ter empapado seu uniforme. E tanto foi merda farta, viscosa, que o cagão deixou caminho marrom de “doce de leite” ao ser retirado do assento às pressas, para ir se lavar.
A sirene do recreio finalmente alardeou liberdade aos pequenos prisioneiros da classe. Nesse interim, a maioria tampava o nariz de forma enojada, em face da insistência do fétido azedume de fezes em permanecer no ambiente.
###
GÉRSON FOI direto pra casa antes mesmo de o recreio começar, ficamos sabendo. Avisaram seus pais e eles trouxeram roupas, pois o uniforme do coleguinha, untado de merda, praticamente emitia aviso de “sai de perto de mim que estou fedendo”.
Demorou alguns dias para que ele retornasse à escola, ainda envergonhado da sujeira que provocou na sala. Mas conversamos com ele, explicando ser algo normal, e criticando a maldade da professora em não deixar que fosse ao sanitário.
Por conta desse episódio, o diretor apareceu na classe para oficializar a instituição de nova regra escolar: informou que, a partir dali, qualquer aluno tinha total direito de ir ao banheiro, acaso se sentisse apurado.
Posso acrescentar o seguinte: essa cagada de Gérson serviu para termos notável avanço nos nossos direitos escolares. Nunca mais nenhum aluno ficou retido na classe após anunciar urgência de liberar suas necessidades fisiológicas…
Por João Carlos de Queiroz, jornalista