MONTES CLAROS-MG, anos 70 – Em busca de novidades carnavalescas, reunimos nosso grupo motoqueiro e esticamos bate-rodas até Bocaiúva, cidade vizinha. De antemão, sabíamos que não encontraríamos novidades por lá, valendo mais o espírito aventureiro. De há muito a mesmice da folia da terra natal cansava a paciência…
A viagem aconteceu no final da tarde, com chegada em Bocaiúva às 19h. Tomamos cerveja num barzinho, a fim de esquentar os ânimos, e fomos acompanhar os desfiles de blocos e escolas locais. Muita gente aguardava as apresentações na avenida de entrada da cidade.
Os primeiros blocos estavam demasiadamente aguados. Previsível que as escolas seguissem ritmo igualmente destituído de atrativos. Começamos a vaiar os fracos sambistas, coro reforçado pelos próprios bocaiuvenses; que fiasco de Carnaval! Estava idêntico ao de MOC!
Devo ressaltar, antes de prosseguir, que tais deduções, na época, fecundavam de mentes adolescentes, irresponsáveis e aventureiras. Tratava-se de injusta artilharia ao esforço do povo bocaiuvense em brincar seu Carnaval…
– Isso aqui não vai render nada, pessoal! Vamos embora! – sugeriu um dos colegas motoqueiros.
Mal ouvimos isso, saíamos para pegar as motos, estacionadas mais adiante, na praça principal. Ali se reuniam moças e rapazes nos finais de semana, promovendo roda-roda contínuo em busca de par romântico. Normalmente dava certo…
As motos nos aguardavam comportadas, e nenhuma delas se recusou a pipocar seu motor dois tempos (Yamaha) ou estrondar funcionamento mais ameno, característica dos quatro tempos da Honda.
Até pensávamos em ir embora bem tranquilos, mas três babacas ficaram bem na frente das motos, em atitude provocativa, impedindo-nos de acessar a rodovia 135. Imprevisto complicado…
Raivosamente, empinei a GT 50 cilindradas em direção ao peito de um dos marmanjos, que, assustado, pulou de lado, igualmente abrindo passagem na trincheira de moradores que assistiam ao desfile.
Caminho liberado, os demais me seguiram…
Nem sei de quem partiu a ideia maquiavélica, porém bagunçamos pra valer o Carnaval de Bocaiúva: a fumaça das motos criou um denso nevoeiro repentino, fruto das forçosas acelerações roncadas entre as alas de foliões. Muita gente assustada e gritaria pavorosa…
Só reconduzimos as motos em direção à saída da cidade ao ver o jipe da PM entrando na avenida em nosso encalço. Hora de “Cada um por si e Deus por todos…”
Eu conhecia bem Bocaiúva e tomei atalho por ruas laterais à Avenida Dom Pedro, acessando a rodovia mais acima, e de lá desci veloz para MOC. Vi dois amigos saindo de ruazinhas apertadas nesse trecho, igualmente fugindo da PM.
Nunca esqueci o chororó das motos em fuga preocupada para vencer logo a serra de Bocaiúva. O jipe da PM estava há pouco atrás do grupo, sumindo misteriosamente.
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NO DIA seguinte, na comodidade do doce-lar de Montes Claros, fui informado por um dos colegas que dois dos nossos ficaram em Bocaiúva por conta dessa sandice que aprontamos.
– Eles têm 18 anos, foram presos. Dormiram na cadeia, nem sei se já saíram… Os pais foram tentar soltá-los…
Bocaiúva deixou de ser lugar de visitas aos parentes paternos por bom tempo, medida de pura precaução. Temia que a batucada que interrompemos no Carnaval fosse reativada com pancadarias no meu lombo…
Por João Carlos de Queiroz, jornalista