Apavorante, sim! Assustadora em todos os aspectos, convenhamos. Afinal, uma mulher de sete metros de altura é algo capaz de arrepiar os cabelos dos machos mais valentes. E nem falo aqui da gauchada papuda, mas dos demais brasileiros, de autêntico estilo ‘puxa-faca’ de Lampião, ‘cabra macho”.
O único senão cômico desse conto de carochinha é que a “Mulher de Sete Metros” foi gerada pela minha mente fértil, ideia descrita num dedilhar frenético em velhas máquinas de datilografia, e divulgadas na imprensa mineira…
Montes Claros-MG, anos 80…
No conjunto habitacional Morada do Parque, à entrada da cidade (BR-364), ninguém acreditaria numa invencionice tão idiota como essa. Uma mulher de sete metros de altura é inconcebível em termos de ser humano vivo, quanto mais um fantasma!
Pensava justamente assim ao tomar assento à velha máquina de datilografia do ‘Jornal do Norte’, matutino que me acolheu para editar o Segundo Caderno. É que tinha um problema no meu bairro, o Morada do Parque: o ponto final dos coletivos era sediado no trevo do Anel Rodoviário, na parte superior. Para embarcar, os moradores escalavam o escuro barranco da rodovia todo santo dia, e não raro alguém caía por lá nos períodos chuvosos.
Antes, eu já tentara sensibilizar a diretoria da empresa com textos alusivos a problemas do tipo, mas nada disso adiantou. Imaginei então uma outra coisa para impactar a vigente insensibilidade dos donos da empresa para com o Morada do Parque. E já que estávamos (na época) no transcurso da Quaresma, tinha em mãos um bom tema apavorante. Porque, se os passageiros se assustassem pra valer, certamente que não iriam mais à BR. Coletivo sem usuários não existe, é preciso lotá-lo diariamente. O lucro vem daí…
Minha ideia tomou formato real quando conversei com Kleber, motorista da empresa, de há muito inconformado em ficar naquela escuridão do trevo altas horas da noite, à espera de sair para cumprir a última viagem do seu plantão, denominada “curiango” (“corujão”, em outras cidades).
Propus a Kleber que divulgaria uma inverdade macabra, a fim de forçar a empresa a transferir o ponto final dos coletivos para o interior do Morada do Parque. Ele teria apenas que confirmar, se acaso fosse questionado a respeito. Ao ouvir sobre minha intenção de “criar” a lenda da Mulher de Sete Metros, que, na minha historinha, em fase de projeção, iria assustá-los no trevo do Anel Rodoviário ao abrir as pernas para o coletivo passar, Kleber e o cobrador caíram em boas gargalhadas…
Mas ele disse, sem hesitar: “No que depender de mim, confirmo tudo. Não quero é ficar naquele trevo esquisito, sujeito a levar bala ou facada de bandido. Nós não temos proteção nenhuma ali”.
Combinei com Kleber todos os detalhes, dia e hora do suposto “sucedido”, e publiquei o primeiro dos vários artigos sobre a “Mulher de Sete Metros” no jornal: “A assombração do Morada do Parque”. Pela quantidade de textos opinativos e reportagens que fizera sobre o sufoco dos usuários do transporte coletivo na comunidade periférica, imaginei que aquela seria mais uma tentativa inútil, sem repercussão. Ledo engano…
Já devem imaginar o pipocar de um barril de pólvora, após deixar rastilho fumacento atrás de si. Foi exatamente isso que sucedeu: a cidade inteira ficou apavorada, pois mineiro é supersticioso, tem medo de coisas que não entende. Ademais, era Quaresma, período de andanças de tudo quanto é espectro do mundo das trevas. Há quem conteste, lógico…
Não parei apenas nesse artigo, publicando outros e outros, sempre com mais detalhes. A cada texto inédito, a mulher do além ganhava qualidades ou defeitos. Mais defeitos que qualidades. A sua única virtude era que jamais atacava velhinhos e crianças, apenas marmanjos. Principalmente os céticos, que não a respeitavam.
Falei e falei sobre esse assunto até no jornal “Estado de Minas”, o mais lido de Minas Gerais. Uma página inteira, que levou equipe de reportagem da TV Alterosa a Montes Claros, ali realizando uma reportagem especial sobre lendas urbanas. A imprensa local ainda ruminava discursos sobre essa infeliz ideia que tive, coletando declarações revoltadas de medrosos locais, que posavam de corajosos.
Já no Morada do Parque, agora com ponto final na sua praça, para alegria e conforto dos usuários, comecei a sofrer retaliações por querer assustar meio mundo. Diziam ser o causador de comoção social, e mulheres grávidas estavam inclusive a ponto de perder seus bebês, transtornadas com a assombração do mesmo sexo. Algumas – ouvi várias vezes – chegaram a ver a grandalhona no quintal de suas casas, ou perambulando nas ruas mais afastadas do centro do bairro. Vestia-se de preto e tinha cheiro de gambá. Uns diziam que ela usava botas de cano longo, e coisitas do tipo…
O Morada do Parque, antes tão agitado até às 22h, assumiu inédito caráter desértico a partir das 20h. Não se via ninguém papeando em nenhum lugar do conjunto residencial. E quem estava em casa, por precaução, mantinha portas e janelas fechadas, inclusive com cortinas. O medo de a Mulher de Sete Metros visitá-los se tornou crônico…
Já eu e meu velho Dodge 1800, carrinho saudoso, transitávamos tranquilos por tudo quanto é lado do bairro, e, para encurtar caminho rumo ao Major Prates, comunidade vizinha, eu ia pela estradinha interna do Parque Municipal, lateral à lagoa. Alguns me parabenizaram pela coragem, dizendo que a assombração tinha sido vista andando naquela área. “É minha chegada, não vai me incomodar”, respondia, divertido.
Aos poucos, finda a Quaresma, a cisma com o mulherão fantasmagórico perdeu fôlego, apesar de ela jamais ter sido esquecida. Tanto que virou folclore local na cidade, que, a cada Quaresma, constrói bonecas e mais bonecas de sete metros de pano, repletas de guloseimas. Elas permanecem impávidas no pátio das igrejas até Sábado de Aleluia, quando são surradas raivosamente por crianças e adultos.
Na verdade, houve inversão de fatos supersticiosos aí: surram a Mulher de Sete Metros, coitadinha, pensando que ela é Judas, que, sabemos, era homem, discípulo de Cristo. Traidor confesso, na verdade. Mas é difícil entender a mente do povo, e os mineiros têm primazia de mistério aí…