Meu padrinho me salvou de ser ladrão…

Os ensinamentos adultos é que estabelecem rumos em nossas vidas, sejam honestos ou não. No meu caso, foi corretíssima a ação do meu padrinho José Nahur Dias dos Santos, quando eu tinha quase sete anos, idade em que somos pau-mandado de qualquer um. Inclusive do mano mais velho.

Pois é… Foi ele, o mano, quem me orientou para escalar a paredinha de uma joalheria do centro da cidade, entrando por uma pequena janela acima. Esgueirei-me fácil a seguir para o interior da loja, ficando encantado ao ver tantos relógios, anéis e pulseiras.

Do lado de fora, gesticulando em silêncio, o mano instruiu para pegar as pulseiras de ouro, apontando uma e outra nas duas mesinhas. Mesmo suspeitando ser algo errado, pois pular janela de propriedade alheia nunca foi certo, embolsei as pulseiras, saindo dali vitorioso.

Em seguida fomos pra casa, na época um barracão de lote imenso, perto da Catedral. Ali, pedindo para não contar nada para nossos pais, o mano conferiu as pulseiras furtadas na joalheria, momento em que pedi para ficar com uma, apenas. A contragosto ele cedeu, repassando a mais simples, sem joia incrustada.

Acontece que, nesse dia, um sábado, meu padrinho foi nos visitar, e como sempre chegou alegre, trazendo mimos para nós dois. Querendo também agradar, eu mostrei a pulseira que ganhei do mano, e ele imediatamente desconfiou de coisa errada, apesar de não dizer nada, na hora.

Antes de sair, fui chamado por ele para uma conversa com meus pais, já informados sobre a tal pulseira. O mano mais velho, apavorado, gesticulou pedindo para ficar de bico calado, dedo indicador sobre a boca, e saiu rápido da casa, temendo levar uma surra. Tinha plena consciência de ter feito coisa proibida…

Educadamente, o padrinho, pessoa pelo qual tenho carinho extremo, pediu que contasse toda a história. Ou seja: como arranjei aquela pulseira de ouro.

Pelo olhar de minha mãe, acrescido de outro severo do meu pai, abri o jogo, falando que invadi a joalheria por ordens do mano Zé. Ainda disse que ele ficou com muitas pulseiras.

– Agora, João, você vai atrás do seu irmão, que se escafedeu daqui, e diga pra ele o seguinte: pra devolver todas as pulseiras na joalheria. Deve ir com você até lá imediatamente! – determinou.

Olhei pra meus pais e não gostei da cara deles, claramente de acordo à ordem do padrinho.

O mano estava duas ruas abaixo, num alpendre em que costumávamos descansar quando vendíamos maracujá da horta do quintal. Sabia que aquele seria o primeiro lugar que ele procuraria para se esconder.

Ele quis me bater, dizendo que não devia ter falado nada. Aí, expliquei que podíamos levar uma baita surra se não devolvêssemos tudo. Isso o convenceu, naturalmente…

Já saímos direto para o endereço da joalheria, novamente eu sendo auxiliado para alcançar a janelinha e adentrar na loja.

Uma a uma, as peças furtadas foram depositadas nas duas mesas, não sei se ao certo, conforme estavam antes. Nenhuma ficou pra trás, apesar de o mano ter tentado surrupiar uma delas. “Tem que devolver tudo, senão vou contar para o padrinho!”, ameacei.

O mano, por bom tempo, esticou as canelas ao ver a picape do padrinho encostando na nossa porta. Nem respondia ao cordial cumprimento do parente, o tradicional “Oi, Zé!” Ficou magoadíssimo pela vergonha que passou diante dos nossos pais.

– Da próxima, já sabem, é surra certa! – ameaçou meu velho. Só não nos deu uma merecida sova por intervenção da minha mãe, que geralmente nos acudia nessas horas.

– São crianças, Carlos! Nem têm ideia do valor daquilo. Foi mais uma arte inocente deles. Mas não farão mais, prometeram! – disse ela.

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Nunca esqueci essa lição que o bom padrinho nos presenteou. Talvez se não tivesse nos visitado naquele dia, nossa realidade poderia ser outra nos dias atuais…

JCQ