Para qualquer meninão afoito por namorar, qualquer lugar é bom, desde que sua parceira seja interessante. Naquele tempo, a parte física da musa {alvo de cobiça} contava sempre em primeiro lugar: difícil ainda hoje algum garoto avaliar valores interiores femininos num primeiro contato. Mas há sempre exceções, lógico, é preciso reconhecer…
Foi assim que me interessei por Madalena (nome fictício), pois ela deve estar há décadas muito bem casada. A menina tinha mais ou menos a minha idade, algo perto dos 17 anos, creio. Enfim, uma adolescente curvilínea e sorridente, aberta a qualquer diálogo.
Nós nos conhecemos por acaso, no próprio bairro em que morávamos em Montes Claros (Edgar Pereira). Talvez tenha sido amor à primeira vista, impacto fatal amoroso, difícil saber. Em idade tenra, tudo é tão interessante…
O fato é que a menina Madalena “bateu bumbo” no meu coração, órgão pulsante de paixão adolescente. Na minha avaliação, Madalena portava virtudes angelicais. Descobri, depois, não ser bem assim…
Inicialmente, o grande problema para nosso relacionamento tomar fôlego foi sua “mãe-gorila”, mulher idêntica à bruxa Madame Min, sempre atenta aos passos matreiros da filha; sogra visivelmente ranzinza e esperta, difícil de ser engabelada…
Sempre marcando a filha, bastava Madalena sair no portão e a velha já gritava rouca: “Venha já pra dentro, menina!” Recado explícito para que eu debandasse da área: saía sem-graça e matutando se conseguiria vencer aquela barreira de “estraga-amor”. Madalena sempre obedecia aos berros maternos…
Esse lenga-lenga demorou semanas, e aí ela me informou que estavam de mudança para o bairro São José. Fiquei triste, pensando que não tornaria a vê-la mais. No entanto, a garota disse, animadamente:
“Lá vai ser fácil para sairmos: minha mãe trabalha à noite no hospital. Você vai lá nesse horário”. Dito isso, repassou o novo endereço, incluindo número telefônico.
Liguei algumas vezes após a mudança acontecer, só recebendo desculpas: “Hoje não dá: minha mãe tá de folga, por motivo de doença. Até pegou atestado. Aguarde que comunico quando poderemos nos ver”, disse, abafando a voz ao telefone.
Mais de uma semana se passou após esse papo desmotivador. Então, numa tarde, Madalena me ligou pedindo para ir lá ao cair da noite, horário em que a mãe enfermeira cumpriria jornada no hospital. Nem precisei bater palmas ou apertar a campainha: ela já estava sorridente no portão.
“Aonde vamos?” – inquiriu, curiosa.
Sem grana, moto, carro, etc., apenas uma bicicleta Caloi, sugeri que fôssemos à Estação Ferroviária. “Lá é legal, você vai gostar. Toda hora passa trem, é um lugar muito animado”. Madalena fez muxoxo de “tudo bem”. Conhecia minha situação financeira…
Da casa dela à estação não era distante, coisa de dois quilômetros, no máximo. Pedalei com esforço dobrado para transportar a amada passageira, suando às bicas…
Já no terminal, entramos pelo lado do pátio de cargas, dali acessando a área de oficinas, galpões imensos. Alguns vagões dos trens Marrom e Azul dormitavam nos trilhos ao lado, à espera da viagem no dia seguinte, e não tive dificuldades em abrir um deles, acomodando nossos corpos afoitos por sexo na poltrona-leito. Madalena sorriu radiante pela novidade…
Foi um namoro bem confortável, e até abri a janela para entrar um pouco da lufada noturna, mas veio forte cheiro de óleo diesel das locomotivas em manobras na área. Temi que engatassem nosso vagão…
Essa proeza sucedeu repetidas vezes, durante os plantões da sogra enfermeira. Abraçado à doce Madalena, que quase dormia aconchegada nos meus ombros, eu acenava efusivamente quando alguma composição passava ali ao lado. A movimentação de cargueiros era incessante…
Uma noite, porém, quando estávamos no bem-bom, eis que um vigia da estação irrompeu de surpresa lá dentro. O foco da lanterna desnudou a invasão que cometíamos, enquanto o homem gritou raivoso: “Sumam daqui, agora, seus malandros!”
Foi a última vez em que nos atrevemos a invadir carros ferroviários para utilizá-los como motel…
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A alternativa seguinte foi procurar aconchego furtivo para o amor nas sombras do estádio do Ateneu, pertinho da casa de Madalena. Mas também esse recurso foi torpedeado por vigia atento: flagrados na cantina do estádio, tivemos que esticar as canelas exaustivamente até o miolo do bairro São José para fugir das canelas ágeis do homem…
Para piorar, a sogra Madame Min pediu licença médica prolongada, entrando em plantão de vigia permanente da filha sapeca. Madalena, tadinha, mal conseguia ir sozinha no armazém da esquina, pois a velha ficava à sua espera no portão.
Ao ligar para checar se esse impasse fora resolvido, ela contou que estava difícil nos vermos tão cedo. “Nem venha aqui, por favor! Minha mãe é carrasca: fica me vigiando o dia todo. Se escutar qualquer barulho no portão, sai na hora”.
Liguei mais vezes, convidando-a para sair, e ela disse ser impossível nos vermos proximamente. “Nem aparece aqui, não, pois minha mãe fica na cadeira de balanço grande parte da noite. Qualquer barulho e já vai ver quem é…”
Menos de um mês depois, eu a reencontrei no matiné dominical do Cine Fátima, toda amorosa com um garoto cabeludo. Ela até fingiu não me ver, sorrindo alto enquanto entravam na sala de cinema…
Por João Carlos de Queiroz