Máquinas que “interagem” com seus donos…

Por mais absurdo que seja tal afirmação, máquinas interagem, sim, com seres humanos! Por vezes, até salvam suas vidas. Na prática, pude comprovar isso, naturalmente estranhando que um coração sensível batesse entre os velozes cilindros…

Os céticos, lógicos, vão sempre contestar, dizer ser apenas uma “ilusória loucura”, pois nenhum instrumento mecânico – no entendimento deles – tem capacidade de raciocínio; ou seja: entende, na prática, as reais necessidades dos seus condutores.

É praticamente o mesmo que alguns alienados pensam a respeito dos animais, atribuindo seu entendimento a reflexos instintivos, nada mais. Nunca admitem seus sentimentos, inegavelmente superiores ao do bruto ser humano, seu principal algoz.

Já no caso das máquinas, pequenas, médias ou grandes, registros esporádicos comprovam que houve interligação angustiosa {com humanos} de que algo precisava ser feito, em determinado momento.

Conheci pilotos de avião que afirmam não entender por qual motivo não caíram, quando o motor da aeronave entrou em pane e a sustentação se tornou crítica, insustentável. O interessante: apesar das falhas dos cilindros e a RPM criticamente inferior ao mínimo exigido para voar, os aparelhos conseguiram abraçar a cabeceira da pista, salvando seus ocupantes.

Comigo, por exemplo, aconteceu algo parecido, após decolar do Aeroporto de Montes Claros-MG, pilotando o Cessna 150 do aeroclube: mal vislumbrei a “língua” da cabeceira pelo retrovisor, e já preparando para efetuar curva à esquerda {saída de pista a 500 metros}, eis que o motor virou uma britadeira inquieta, perdendo mais da metade de sua potência. Praticamente, a RPM do monomotor passou a oscilar numa faixa estacionária…

Na ânsia de não cair com o avião, acidente que poderia ser fatal, tomei a providência que concluí ser sensata: abaixei o nariz do aparelho com o propósito de ganhar velocidade e não perder a sustentação, o que possibilitaria alguns segundos preciosos para tentar aterrissagem de emergência.

No entanto, ainda sentindo a aeronave chacoalhar feito uma britadeira, percebi não ter nenhuma chance favorável à frente: apenas uma estradinha rural estreita, ladeada por cercas de arame farpado, ofertava pista alternativa. O avião, pelo visto, entendera que ali seria sua sepultura final, talvez também a minha, e foi afundando cada vez mais, em direção ao exíguo espaço…

Uma segunda providência que tomei, naquele instante de tensão descomunal, foi rolar o assento da esquerda (que ocupava) para trás, prevendo que o choque brutal na estradinha irregular poderia me lançar contra o manche, sendo apunhalado na hora.

Ainda simulei desligar os magnetos, a fim de evitar explosão, visto que as asas seriam inevitavelmente arrancadas ao colidir contra as cercas. E com os tanques cheios, inevitável a explosão!

Não sei bem como, senti uma mensagem aflita do avião me avisando para não desligar os magnetos, procedimento que cortaria o motor. Mal captei essa mensagem muda, eis que o avião se recompôs milagrosamente (é a palavra), ganhando força de RPM e altura confiável.

Quase não acreditei ao ver a estradinha abaixo perder sua magnitude de anfitriã da morte, tornando-se mero risco estreito, entre outras linhas imprecisas do terreno. Voltara a voar com firmeza!

Durante o sobrevoo na mata rala, que por pouco não me acolheu num pouso espalhafatoso, possivelmente falta, matutei sobre a causa daquela falha. Foi água nas velas, descobri ao fazer inspeção. Nunca se deve lavar motor de avião e e ir voar na sequência…

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Uma outra experiência estranha que tive, que também atribuo ser compartilhamento humano com a máquina, aconteceu ao retornar à noite para Montes Claros, pilotando uma Yamaha DT-180. A moto simplesmente apagou o motor perto da Lagoinha, numa baixada sibilante de ventos juninos…

Essa pane aconteceu justamente no local em que um caminhão se descontrolou, capotando ribanceira abaixo, semanas antes. Sabia disso por ter parado lá com meu pai a caminho de Pires e Albuquerque, numa manhã ensolarada de domingo. Curioso, meu pai insistiu para descermos e ver o caminhão de perto, cabine toda amassada.

No sinistro, uma idosa morreu presa entre as ferragens. Nunca esqueci a expressão angustiada do cadáver: parecia questionar se merecia um fim tão triste…

Então… Medo de assombração arrepiando o corpo sem parar, e sem querer olhar para a sinistra ribanceira, torci para a desconsolada defunta não se manifestar gargalhando ao lado da moto. Nem imagino qual seria minha reação se tal barbaridade ocorresse…

Sem ação, voltei a olhar a luz verde, indicativo de ponto morto da motocicleta. Supostamente, a máquina estava à espera de que acionasse novamente o pedal de partida. Foi justamente o que fiz repetidas vezes, sem êxito. A moto só emitia queixume cansado de glupt, glupt, glupt… Meu Deus!

Se nem o engate sucessivo de marchas de há pouco – ainda com a Yamaha em movimento ladeira abaixo – conseguiu acordar o birrento motor, não seria aquelas pedaladas de desespero que fariam isso…

Para piorar, com a noite chegante, as aves noturnas iniciaram cantoria fúnebre, sob a regência de corujas e outras invisíveis no teatro macabro da natureza, montado sob negrume impiedoso.

O vento sibilante da região, típico uivo de coiote, continuou a açoitar o meu rosto afoitamente, prenunciando uma noite gelada. Estranho nem carro passar por ali…

Pedi a Santo Antônio, meu Santo Protetor, que fizesse o motor pegar. Antes, disse algo confidencial para a Yamaha, mais ou menos assim: “Olha aí, moto, precisamos ir pra casa, combinado? Você vai me levar, tenho certeza e já agradeço!”

Mais uma vez, agora acomodado no banco da estradeira, mãos nas manetes, acionei o pedal, temendo escutar novo “glupt” de insucesso. Para minha alegria, o motor dois tempos da valente DT-180 pipocou vida revigorante, e arranquei daquela baixada com a roda dianteira meio no ar, tamanha a ânsia de sair dali o quanto antes. Acelerei ao máximo e agradeci aos dois (Santo Antônio e à moto) pelo livramento.

Cheguei rapidinho em casa, guardando a moto no alpendre. A título de boa noite, disser um “valeu” sincero à colaboração que a Yamaha prestou no sufoco vivenciado na rodovia 135.

– Está tão pálido, filho! Fez boa viagem? – questionou a professora Maria Eny. Minha mãe lia meus pensamentos só de olhar…

Por João Carlos de Queiroz, jornalista