Lobisomem volta a aterrorizar Pires e Albuquerque

Capítulo 18 {"Há um lobisomem a bordo do Trem Azul"}

Depois do susto que pregou na turma de cineastas de Montes Claros e no próprio Téo Azevedo, trovador local, o casal de lobisomem sumiu do mapa por uns dias. Apenas uns dias. Eis que, sem aviso prévio, a dupla do terror resolveu dar as caras numa festa caipira realizada no sítio da Manoel da Jaca.

Inocentes ao perigo, outro casalzinho famoso na simpática comunidade roceira, Leomindo e Lucila, ficou todo alvoroçado ao saber que o convite dessa festinha tradicional teve também o endereço da casa deles.

– Vamos, sim! – respondeu Lucila, já ciente de que seu esposo aceitaria. De fato, Leomindo abriu largo sorriso de contentamento, indicando que aquela foi a resposta certa ao portador do importante convite.

Ambos esqueceram um aviso dado por outro casal, Feliciano Souza e Quely, para terem cuidado, pois a súbita aparição de lobisomens no acampamento armado por Eduardo Brasil para rodar o filme inspirado na poesia de Téo Azevedo não pararia por aí.

Feliciano, antigo morador de Pires, outro que se indispôs com a mudança de nome para Alto Belo, sabia exatamente dos riscos que qualquer um corria ao se enfronhar pelas matas próximas, covil de lobos. Ou melhor, de lobisomens.

O fato é que a festa na roça de Manoel da Jaca minimizava qualquer sentimento de cautela, e assim o casalzinho 20 do centenário distrito bocaiuvense partiu a pé para vencer os quase cinco quilômetros até à sede do sítio. Saíram de casa à tardinha, e ao anoitecer avistaram a pequena propriedade, já com luzes brilhantes na cerca.

Ainda escutaram grande alvoroço dos convidados, e alguns foguetes. Não era época junina, mas se tornou comum em festas locais soltarem fogos de artifício para animar a moçada a arrastar os pés na poeira do curral, transformado em palco de dança.

– Estranho, benzinho: estou com sensação estranha de estarmos sendo seguidos – disse Lucila, agarrando forte o braço do companheiro Leomindo.

Por sua vez, este tentou tranquilizá-la, intuindo que o medo de lobisomens jamais a abandonaria.

– Fique tranquila, amor: está comigo, e assim sempre estará protegida. Nada e nem ninguém lhe fará mal! – afirmou todo seguro.

Mal acabara de dizer isso, a folhagem da estradinha abriu-se em dois, estampando dois pares de olhos cintilantes, idênticos a brasas. Um uivado feroz complementou a saudação aos festeiros, que, de imediato, abriram fuga ladeira abaixo, rumo ao sítio de Manoel da Jaca. Os lobisomens estavam naquela área!

Sequer cumprimentaram o proprietário do sítio, Manoel da Jaca, avisando que o casal estava de tocaia ali próximo. Dois vaqueiros armados saíram para averiguar a denúncia, munidos de potentes lanternas, mas voltaram sem novidades.

Um deles até sugeriu que poderia ter sido impressão, pois o começo da noite geralmente emite ruídos diversos, inclusive sons de animais desconhecidos.

Sem outros sustos, eles finalmente se acalmaram, tomando um porre de cachaça com limão para auxiliar a liberar a energia festeira reprimida pelo incômodo encontro de horas antes.

Já dançando no curral, que mais parecia um centro de redemoinho, tamanha a poeira circulante, Lucila e Leomindo riram bastante do susto sofrido na estradinha. Por precaução, acharam melhor pernoitar no sítio se a festa acabasse antes, algo difícil de acontecer. Os eventos anteriores adentraram dia afora.

Nesse vai e vem pelo salão poluído com fumaça de churrasco e poeira, não foi possível identificar quase nenhum dos dançarinos. No entanto, após esbarrarem feio num casal enorme, eles perceberam que os passos da dupla apresentavam diferenças em relação aos demais, pois dançavam meio agachados, como se tivessem dificuldades em ficar de pé.

As mãos da mulher, cravadas nas costas do seu condutor de forró, foi outro detalhe observado por Lucila, que quase gritou ao cair em si que essa dupla tão animada, infiltrada entre os convidados, nada mais era do que o casal de lobisomens.

O grito de Lucila se sobrepôs ao som da radiola, praticamente paralisando a insossa movimentação pelo curral festeiro. Foi só gritar a palavra LOBISOMENS para os comportados dançarinos promoverem estouro típico de boiada tresloucada pela presença de onça.

Sinistramente, o casal das sombras sumiu num piscar de olhos, mas não a tempo de ser percebido por mais pessoas, causando desmaios e muita gritaria geral. Manoel da Jaca apareceu que nem Indiana Jones armado com uma espingarda de dois canos, perguntando sem parar onde eles estavam, pois tinha cartuchos prontos para os dois.

Seus vaqueiros se uniram à valentia do patrão, e o sítio passou a ser vasculhado com a tropa de choque contra lobisomens.

Amanhã conto o que aconteceu depois disso…

João Carlos de Queiroz

 

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