Por Léo Rodrigues – Repórter da Agência Brasil – Rio de Janeiro – Ainda não se tinha noção clara do tamanho dos estragos da tragédia de Brumadinho (MG) quando Rafaella Cervantes chegou no município mineiro no último dia 25 de janeiro. Horas antes, uma avalanche de lama havia vazado após o rompimento da barragem da Vale na Mina do Feijão. Diante das primeiras notícias, Rafaella e alguns amigos se voluntariaram, recolheram donativos, encheram seus carros e partiram em comboio. O que presenciou, ela afirma, ficará marcado para sempre em sua memória.
“Vi rodas de um tamanho que nunca havia visto jogadas no meio da lama, vi vagões de trem amassados como se fossem bolinhas de papel”, conta.
Figurinista e diretora de arte, Rafaella fez o trajeto Belo Horizonte -Brumadinho por seis dias seguidos. A distância entre os dois municípios é de 60 quilômetros. Na maior parte dos dias, porém, seu destino foi Casa Branca, um povoado rural pertencente a Brumadinho e localizado a 35 quilômetros da capital mineira.
Famoso por atrair turistas em busca de cachoeiras e de outras atrações ecológicas, Casa Branca se fixou como um ponto de apoio à tragédia. Pousadas locais receberam desabrigados e a Escola Municipal Carmela Caruso Aluoto se tornou um ponto para recebimento de donativos. “Na terça-feira, havia lá 21 crianças que precisavam de material de recreação. Na quarta-feira, aumentou para 54. Não é só levar roupa, água e comida”, destaca Rafaella.
A figurinista divulgou nas redes sociais que receberia donativos, mas muitos entraram em contato querendo doar dinheiro. Embora não fosse o objetivo inicial, ela acabou aceitando. Para as crianças, ela comprou bolas, petecas, caixas de giz de cera, jogos de dama, pacotes de papel e cartolinas.
As demandas, entretanto, eram bem mais amplas. Os brigadistas, bombeiros civis e até mesmo militares precisavam de equipamentos. “Não conseguimos comprar binóculos, cada um girava em torno de R$ 300. Mas compramos 12 monóculos que custaram R$ 70. E também dez lanternas de cabeça”.
Um tenente do Corpo de Bombeiros de Minas Gerais disse a ela que faltavam pilhas para GPS e lanternas. “Demandas específicas eu entregava na mão de quem me pedia. Não faço ideia de quantas pilhas compramos. É gratificante poder entregar algo simples e ver como faz diferença”, diz a voluntária.
Rafaella conta que, muitas vezes, as necessidades dos brigadistas e dos bombeiros iam além do material. “Eles são pessoas que precisam colocar as coisas para fora. Eu conversei muito com eles. Você nota que, às vezes, o olhar muda totalmente. É um lugar onde eu vi como um abraço é muito importante.”
Falta de informação
De acordo com a empresária Débora Farias, outra voluntária que deixou Belo Horizonte rumo a Brumadinho, muitos atingidos sentiam falta de informação. “As pessoas estavam querendo saber se podiam voltar para suas casas, mas não tinham informação”, afirma a empresária que ajudou uma família alojada em Casa Branca a entrar em contato com os órgãos públicos responsáveis.
Débora integra a organização humanitária internacional Arte de Viver, fundada na década de 1980 na Índia e atualmente presente em cerca de 160 países. Entre as ações que a entidade desenvolve, estão aulas de ioga, de meditação e de técnicas de respiração em projetos sociais em presídios, escolas públicas e em catástrofes.
Direito dos animais
A figurinista e diretora de arte Rafaella Cervantes afirma que costuma se mobilizar em ações de defesa aos direitos dos animais, mesmo não sendo integrante de nenhuma organização. Em novembro de 2015, logo após a tragédia de Mariana (MG), ela se mobilizou em busca de donativos – principalmente, ração – já que nas comunidades afetadas as famílias criavam diversos animais.
“Algumas pet shops me doaram ração para cachorro, para gato. Depois eu soube que estavam precisando de milho e rações mais específicas. Eu liguei para uma empresa que fica em Santa Luzia, na região metropolitana de Belo Horizonte, e pedi uns cinco sacos. Eles me retornaram depois dizendo que decidiram doar 17 toneladas. Quase desmaiei”, lembra.
Em Brumadinho, ela afirma que não demorou a perceber que teria poucos animais para ajudar e que o desafio se concentraria no apoio às pessoas que perderam parentes ou amigos. Ainda assim, ela relata momentos que lhe marcaram.
“No domingo, foi resgatado um sapinho. E um sapinho te revigora de um jeito que eu não conseguia imaginar. A felicidade de saber que um ser daquele tamanho sobreviveu a essa tragédia. E na quarta, tivemos notícias de que encontraram pegadas de uma onça na lama, em direção à mata”.
Após seis dias de trabalho voluntário, Rafaella parou de ir a Brumadinho na última quinta-feira (31). Ela afirma que mantém contato com outros voluntários e que pretende voltar na próxima semana.
“A gente precisava esconder a emoção, porque os parentes das pessoas desaparecidas estão ali e eles veem você como um ponto de apoio. Mas aí, um dia, voltando para Belo Horizonte, quando estava no carro somente eu e meu cunhado, nós choramos muito”, lembra.
Ela conta que pensou em ficar em casa na quarta-feira (30), mas acabou não conseguindo. “As pessoas começam a te passar demanda às 7h da manhã. Como você não vai?”.
A voluntária disse que foi até uma área próxima ao local do rompimento para levar uma jornalista e um cinegrafista e afirma que a magnitude da área tomada pela lama a impressionou.
“É muito diferente de ver na TV. Provavelmente tem gente que nunca vai ser encontrada. Me falaram que há lugares com 18 metros de lama”, lamenta.