Ladrão de merda…

Quando dois ladrões se lambuzam de merda. Literalmente...

Por João Carlos de Queiroz – O caso foi relatado por João ‘Panco’, risonho motorista da área de Saúde da Prefeitura de Chapada dos Guimarães, grande amigo meu. Um especialista em churrascos domingueiros, anfitrião nota 10. Panco mal consegue contar o episódio sem emendar boas gargalhadas. Seu rosto assemelha-se a um pimentão vermelho, sempre que recorda o sufoco da vizinha Cleonice, senhora de uns 65 anos.

– Ela enfrentava sérios problemas de prisão de ventre e precisava fazer exames de fezes. O difícil era evacuar, e a pobrezinha tentava e tentava, dizia assim mesmo, com a maior cara de inocência da terceira idade – recorda.

Panco conta que sua amiga, mais parecendo uma latrina ambulante, foi aconselhada pelos médicos para ingerir bastante leite cru e sucos de laranja, melancia, mamão. Frutas propícias a uma boa caganeira…

– Ela entornava esses sucos diariamente, além de comer as frutas. Os mais chegados recomendavam que não tomasse tanto leite, pois geraria gases, dificultando até o convívio social.

O pedido de exames de fezes, com o propósito de realizar diagnóstico mais pormenorizado da saúde de Cleonice, nasceu dessa relutância dos intestinos de Cleonice em funcionar.

Divertindo-se com as próprias palavras, Panco detalhou situações que presenciou ou ouviu alguém contar sobre os apuros da amiga:

– Pra você ter uma noção, a prisão de ventre de Cleonice estragou foi muita festa, sério! Pessoas idosas, como todos sabem, já não têm tanta elasticidade muscular; e isso acontece também em relação ao orifício anal e outras partes musculosas do corpo. Já devem ter visto “o samba” ininterrupto de dentadura de velho: dança o tempo inteiro na boca, sem firmeza alguma…

João Panco citou esse exemplo para explicar que sua amiga Cleonice também enfrentava dificuldades idênticas para “segurar” forçosas tentativas de fuga de gases intestinais (flatulência). Infelizmente, nem sempre conseguiu dominar os trancos das entranhas estomacais, peidando espetacularmente em reuniões familiares.

“Tudo sem querer, gente”, dizia sem-graça. E aconteceu inclusive na festa de 15 anos da filha: ao se inclinar para servir empadinhas aos convidados presentes na sala de estar, ouviu-se intempestivo matraqueado eclodir de dentro de seu vestido. Um odor insuportável dominou então o ambiente: debandada geral…

“Tem que ir no médico e resolver esse problema, minha amiga!”, conselhos do próprio Panco e de quantos ainda conseguiram suportar a metralhadora fétida da amiga.

 

Os esforços de Cleonice para conseguir evacuar dentro do potinho deram certo: após três dias tomando sucos e comendo frutas digestivas, ela sentiu que seus intestinos queriam liberar massa inútil, e, munida de recipiente plástico, montou plantão de quase duas horas no banheiro. Alívio… A evacuação repentina não foi sólida, mas quase gelatinosa, em função das copadas de leite cru e sucos.

Feliz pela cagada consolidada, Cleonice encheu o pote até à tampa, enrolando-o num plástico e guardando o produto nauseante dentro de uma bolsa de couro brilhante, que ganhara ao se aposentar. O ato seguinte foi tomar um bom anho e se perfumar, vestindo roupa domingueira. Mesmo não tendo Plano de Saúde, queria chegar alinhada ao Laboratório Municipal. Só não imaginava que seria assaltada…

Segundo João Panco, sua vizinha Cleonice saiu de casa a passos lentos, levando a bolsa e a incômoda amostra de fezes com ar displicente. Dinheiro e documentos ela guardou num pequeno porta-documentos/valores, prudentemente alojado entre os seios.

Quem acaso observasse seus passos, deduziria que levava valores naquela bolsa, pois a segurava firmemente, olhando sempre desconfiada para os lados. O modo cauteloso com que carregava a bolsa logo  chamou a atenção de meliantes. E ao virar a esquina da rua principal, dois sujeitos se aproximaram rápidos, evidentemente com a intenção de assaltá-la…

– Parada aí, senhora! Largue a bolsa e não olhe pra mim! – disse um deles, enquanto o outro se manteve a metros de distância. Cleonice ouviu a ordem e obedeceu. Seu lema era: “Manda quem pode; obedece quem tem juízo”.
Já de posse da bolsa, o ladrão correu rápido, certamente acreditando que ali dentro havia dinheiro e outros pertences valiosos. “O outro ladrão ficou por perto, observando; só se aproximou depois que seu comparsa sumiu da área da praça, fingindo ser solidário”, disse João Panco.
Refeita do susto, Cleonice resolveu tirar proveito daquela situação, e espertamente informou ao comparsa do ladrão que precisava recuperar sua bolsa. “Tá com tudo que tenho de precioso na vida, moço! Documentos, minhas economias e as joias, que resgatei hoje do banco. Corra atrás que vou lhe dar a metade de tudo”.
Ela nem precisou repetir nenhuma palavra: o sujeito arrancou de sua frente feito um alucinado, correndo atrás do comparsa. Temia que seu aliado roesse as cordas e não lhe desse um tostão.
Panco sempre emite sonoras gargalhadas quando, a pedido, conta essa história durante os eventos churrasqueiros que protagoniza em Chapada. Diz imaginar a raiva que os ladrões ao abrirem a bolsa e dar de cara com um pote de merda!

– Agora, fica fácil imaginar também a confusão inicial entre os dois, na disputa ferrenha pela posse da bolsa, que, em tese, continha dinheiro, joias… Nunca imaginariam encontrar merda ali!

Quanto à sua amiga Cleonice, João Panco fala que ela lamentou muito a perda da bolsa, que tinha valor sentimental. E lamentou mais: por ser obrigada a retomar às sessões plantonistas para tentar evacuar alguma coisa e poder realizar o exame de fezes. Mas não deixou de dar boas risadas ao saber que os ladrões disputaram merda pura!

Este episódio, o típico “engano de ladrão”, pode ser associado a um fato ocorrido em Cuiabá, no início dos anos 2000, quando um assaltante de banco, em fuga noturna da polícia, entrou na garagem de uma funerária e levou um dos carros da empresa. Só foi descobrir que levava um passageiro MORTO horas depois, já em plena estrada, quando uma barreira deteve sua marcha fúnebre…